Dei por mim perante a seguinte deliberação (pelos
vistos, unânime) do Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados
Portugueses (sic): “Assim, nos termos acima expostos e ao
abrigo das disposições dos artigos 55º, nº 1, als. d) e e), 91º, al. e), ambos
do Estatuto da Ordem dos Advogados, o Conselho Regional do Porto da Ordem dos
Advogados delibera, por unanimidade, que não serão prestados quaisquer serviços
da sua competência aos Colegas que, à data em que requerem a prestação de
qualquer serviço, estejam em atraso no pagamento das quotas devidas à Ordem dos
Advogados por um período superior a dois meses (duas quotas).”
Parto
do seguinte ponto (para mim, estruturante): o não pagamento de quotas é grave e
implica prejuízos para todos os advogados que as pagam, por duas vias: a) a da
concorrência (desleal) que pode ser feita por quem não paga quotas – e CPAS, já
agora! – relativamente àqueles que têm as sua obrigações em dia; b) a da
dificultação da atividade da Ordem dos Advogados Portugueses, por diminuição
das suas receitas, apesar de se manterem as despesas, tendencialmente
crescentes. É também por isso que, desde sempre, optei por pagar anual e
antecipadamente as minhas quotizações.
Mas
isso pode implicar que haja advogados a quem seja vedado o acesso aos serviços
da Ordem dos Advogados Portugueses? A situação de um advogado estar em situação
de não pagamento de quotas pode implicar que as atribuições da Ordem dos
Advogados Portugueses – ao nível regional – possam ser passadas para segundo
plano? Usando uma expressão que ficou célebre há uns meses, “lembra ao careca”
que haja quem entenda que os interesses patrimoniais da Ordem dos Advogados
sejam mais relevantes que os interesses do Estado de Direito Democrático que,
precisamente a Ordem dos Advogados Portugueses deve prosseguir?
A
deliberação diz o seguinte: “o Conselho
Regional do Porto da Ordem dos Advogados delibera, por unanimidade, que não
serão prestados quaisquer serviços da sua competência aos Colegas que, à data
em que requerem a prestação de qualquer serviço, estejam em atraso no pagamento
das quotas devidas à Ordem dos Advogados por um período superior a dois meses
(duas quotas)”.
Isto
quer dizer que o Conselho Regional do Porto e a sua Presidente se recusará, se
acontecer que o advogado tenha mais que duas quotas em atraso a, entre outras:
a)
Pronunciar-se
sobre as questões de caráter profissional (cfr. alínea f) do artigo 54º do EOA), se tal pronúncia tiver sido
solicitada por advogado com mais de duas quotas em atraso;
b)
Promover a
formação inicial e contínua dos advogados (…), designadamente organizando
conferências e sessões de estudo (cfr.
alínea h) do artigo 54º do EOA), sendo de prever que seja barrado o acesso
de advogados que tenham mais de duas quotas em atraso a tais ações organizadas
ou patrocinadas pelo Conselho Regional do Porto;
c)
Nomear
advogado ao interessado que lho solicite por não encontrar quem aceite
voluntariamente o seu patrocínio (cfr.
alínea o) do artigo 54º do EOA), sendo de imaginar que esse passa a ter uma
cédula profissional diferente da dos demais advogados e que, por isso, perde a
qualificação para que seja nomeado;
d)
Autorizar
a revelação de factos abrangidos pelo dever de guardar sigilo profissional,
quando tal lhe seja requerido (cfr. alínea
l) do artigo 55º do EOA), o que poderá fazer com que alguns processos judiciais
possam ficar “parados” à espera que um advogado pague quotas à OA; e, para
terminarmos os exemplos, porque muitos outros seriam,
e)
Decidir
sobre os pedidos de escusa e dispensa de patrocínio oficioso, apresentados
pelos advogados (…) (cfr. alínea
m) do artigo 55º do EOA), o que vale por dizer que haverá cidadãos que estarão
no limbo de terem ou não terem defensor ou patrono porque o Conselho Regional
do Porto deliberou que não presta serviços a advogados com mais de duas quotas
em atraso!;
O artigo 3º do EOA é claro ao considerar todos os seus itens como
obrigações estatutárias de todos os órgãos de governo da OA, atrevendo-me eu a
pensar (desde sempre) que quanto maior é a proximidade de cada um desses órgãos
relativamente aos advogados e aos cidadãos, maior pertinência tem que
analisemos as obrigações da OA como obrigações de cidadania e de realização
plena do Estado de Direito Democrático.
O “topete” do Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados é tal que
se permite deliberar o seguinte: “Verificada
esta situação, os serviços administrativos deverão notificar os advogados em
questão de que deverão proceder à regularização do pagamento das quotas, no
prazo máximo de oito dias, sob pena de, ao abrigo da presente deliberação, não
ser prestado o serviço em questão.”.
Tomemos o exemplo do pedido de escusa ou dispensa de patrocínio oficioso:
o Conselho Regional do Porto e a sua Presidente entendem que um cidadão pode
esperar para que esse pedido seja apreciado (além do tempo que tem de demorar –
e que seria bom, em alguns casos que fosse menos!) mais 8 (oito) dias. Ora,
porque, juntando correio e afins, isso significa uns dez ou doze dias, isso
quer dizer que o Conselho Regional do Porto e a sua Presidente não veem mal em
que um cidadão esteja no limbo, com gravíssimos prejuízos para a concretização
de facto do seu direito de acesso à justiça, durante uns quinze dias… porque
parece que o importante não é cidadão ou o Estado de Direito; o que parece
importar é que o Conselho Regional do Porto tenha dinheirinho em caixa…
Alguém pensou que um advogado pode não pagar as quotas atrasadas e que a
sequência será necessariamente que processos (e os cidadãos que eles envolvem)
ficarão em suspenso ad aeternum? E que as consequências disso podem ser
verdadeiramente perigosas para esses processos, para os cidadãos, para a Ordem
e para a Advocacia?
O (novo) Estatuto da Ordem dos Advogados é claro (cfr. artigo 55º, nº 1, alíneas d) e e)) quando constitui o
Presidente dos Conselhos Regionais nas obrigações de zelar pelo cumprimento da legislação
respeitante à Ordem dos Advogados e de promover a cobrança de receitas do
Conselho Regional.
O Estatuto é também claro ao definir como obrigação deontológica dos
advogados o pagamento de quotas – cfr. artigo
91º, alínea e) do EOA.
Nem se optou pela cobrança, nem pela promoção da sanção do incumprimento
de dever deontológico: a opção foi pela desproteção do advogado (ainda para
mais, ao fim de dois meses – o que ainda mais torna esta deliberação
incompreensível, num momento em que todos sabemos que a advocacia passa por
terríveis dificuldades económicas), desproteção do cidadão, desprestígio da
Ordem dos Advogados Portugueses, por impedimento da prossecução das suas
tarefas essenciais!
Da minha parte, recuso-me a dar cumprimento a esta deliberação (a esta
aberração) aprovada por unanimidade pelo Conselho Regional do Porto da Ordem
dos Advogados.
Não tanto porque possa ser manifestamente ilegal (e salta à vista que,
mais que não seja por falta de norma habilitante, o é)! Essencialmente, porque
para mim, não há um advogado diferente de nenhum outro: enquanto tiverem a
mesma cédula que eu tenho (e só poderão deixar de ter por opção própria ou por
decisão do competente órgão disciplinar), recuso-me a estabelecer diferenças
que não podem existir, por princípio, porque o EOA as proíbe, porque a ética as
impede!
Ainda para mais quando é tomada por um Conselho Regional que anda, há
anos, a privar as Delegações de verbas que lhes cabem, em total ilegalidade e
falta de cumprimento do mais básico das regras (mas isso não cabe aqui: alhos
são alhos, bugalhos são bugalhos e hoje é tempo de “alhos”, infelizmente).
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