quarta-feira, 14 de maio de 2008

Não posso concordar (nem quero)

“O bastonário Marinho Pinto afirmou no parlamento que a violência doméstica não deveria ser crime público, porque inviabiliza a desistência do processo, caso a vítima o deseje, noticia hoje a imprensa.”

A verborreia do Bastonário da Ordem dos Advogados incomoda alguns, dá gozo a outros, mas reconheça-se que tem uma virtualidade: não se consegue ficar indiferente ao que diz…
Ao contrário do que ali vem dito (e que me custa a ler, principalmente se tiver é verdade que foi dito por quem se fez eleger pretendendo ser um “provedor” da cidadania e dos cidadãos), não concordo que a natureza do crime de ofensas à integridade física praticadas entre cônjuges deva ser “tão-só” crime de natureza semi-pública (como as demais situações de agressão, passe a imprecisão técnica).
Embora não tenha reflexo na intenção legislativa, sempre entendi que o bem jurídico tutelado por aquele tipo de crime visa (em segunda linha, decerto) a tutela da instituição matrimonial, do casamento enquanto instituição, pilar social, a meu ver.
Permitir – rectius, voltar a permitir – que o ofendido (marido ou mulher) desista da queixa, no meu entender, levanta duas questões complexa que o Senhor Bastonário não deveria ter marginalizado no seu discurso e que eu ponho em forma de pergunta, confessando eu próprio não ter resposta firme a nenhuma delas (pendendo, embora para uma negativa a ambas): pode a sociedade bastar-se com a desistência de queixa do Ofendido, quando se sabe que as mais das vezes, essa desistência é, no essencial, motivada por medo (tantas vezes com receio de “males maiores”, relativamente a si ou aos seus), pressão (muitas vezes de quem deveria apoiar e desapoia)?; deve bastar à nossa consciência social a permissão da continuação do comportamento, já que é consabido que (passe a aparente brincadeira) o arrear é como o rezar: vai no começar?
Da minha parte, creio que a lei tem suficientes mecanismos de defesa da integridade familiar, quando a família ainda exista efectivamente e não precisa de “regredir”.
O inverso seria pernicioso em todos os aspectos: custa-me muito mais (e creio que muitos me secundarão) saber que alguém teve sucesso na pressão de fazer alguém desistir da queixa que saber que alguém que terá agredido e se arrependeu terá de ser julgado pelo facto…
Por isso, não concordo com o que disse (nem quero, confesso).
Uma última coisinha, “de somenos”: o Senhor Bastonário deveria falar sempre em nome dos advogados, quando fosse nessa qualidade que prestasse declarações. Desta vez, parece-me que serão mais os que pensam ao contrário do que disse. E isso já é algo diferente: é usar o nome dos advogados para dizer o que se pensa… e, também aí, não posso concordar.