Há muito que reflito sobre as
muitas formas como se pode traçar uma reforma da Previdência dos Advogados (e
Solicitadores, já agora: embora não seja a minha “seara”, a CPAS é isso mesmo:
Caixa de Previdência de Advogados e Solicitadores).
Não excluo – por ter de reconhecer
que poderá ser a derradeira solução – a integração na CPAS na Segurança Social…
E, porque a memória me leva a pensar no que foi a integração da Caixa dos
Jornalistas no regime geral e o conhecimento das dificuldades por que
crescentemente passam esses profissionais depois disso, creio que só mesmo como
derradeira solução deverá ser pensada: a CPAS é fruto de uma História e de
décadas de contribuições de milhares de Advogados e Solicitadores e essa
História gerou um património e uma liberdade de ação (relativa, é certo, mas
uma liberdade de ação) que não se pode vilipendiar sem mais.
Creio, porém, que urge pensar
outros mecanismos, em face dos problemas reais por que passam os Advogados,
precisamente por causa da sua Caixa e da necessidade que ela tem de
financiamento e de sustentabilidade. E que é, neste momento, essa a encruzilhada
em que nos encontramos como profissionais e como cidadãos. Não podemos esquecer
que um Advogado só é verdadeiramente livre se tiver a liberdade financeira que lhe
permita não sair do caminho ético que a sua Deontologia lhe avança,
precisamente como garante dessa liberdade; mas também não podemos deixar de
considerar que o levar dinheiro para casa, depois de pagar as despesas do exercício
profissional, é essencial a que se mantenha como Advogado e que essa vocação
merece, por parte dos seus pares e por parte do Estado, (no mínimo!) consideração.
Não vou perder tempo com a
história que nos trouxe ao atual Regulamento da CPAS. Mas vou lembrar todos que
o problema maior que ele tem é precisamente o de ter pesado (não
exclusivamente, é verdade, mas muito fortemente) a sustentabilidade da CPAS como
fator determinante das alterações havidas e de não ter dado o devido peso à
consideração das condições de vida dos Advogados. E que, com isso, no
essencial, estamos a prejudicar milhares de Advogados que, quase todos no início
de carreira, não conseguem suportar o encargo (pesado, muito pesado!) que advém
do pagamento de EUR 251,38 por mês para a sua contribuição para a CPAS.
Estamos a acrescentar EUR 251,38 a
outras despesas de que nenhum profissional da Advocacia pode fugir, se quiser
ter o mínimo de dignidade no seu escritório (dignidade que, contra o que muitos
propugnam, não passa por mais que uma coisa essencial: garantir a matriz primordial
da profissão, o segredo profissional!): a) o custo do espaço onde o domicílio
profissional esteja estabelecido (vamos dizer “por baixo”) de EUR 300,00; b) as
quotas para a OA, no valor de EUR 35,00; c) os custos com comunicações, água,
luz elétrica e consumíveis do escritório (papel, toners, correios, etc), que
nunca são inferiores, mesmo para um forreta, a EUR 150,00; d) seguros (de responsabilidade
civil profissional e de acidentes de trabalho), esses de uns EUR 25,00 por mês;
e) os transportes (sim, os tribunais não são à porta do escritório e a nossa
casa também não), que devem consumir em média (e com sorte) uns EUR 100,00 a
cada um de nós…
Ou seja, para cada um de nós ter
uma porta aberta tem de gastar (e vou voltar a dizer: “por baixo”) EUR 850,00…
alguns, ou porque se associaram com Colegas para dividir dias em que estão no escritório
ou porque trabalham a partir de casa, ou por algum milagre que não sei como se alcança,
conseguem baixar esse valor para um montante de EUR 600,00 ou EUR 650,00… mas a
isso tem de se acrescentar o que é preciso levar para casa: nem todos os
Advogados têm património que os sustente e nenhum deveria ter de passar pela
humilhação de ver os pais a perpetuar a mesada para que possam continuar a
sonhar ficar na profissão que têm por vocação. Pensemos, então, que levam para
casa o valor equivalente ao salário mínimo e que é esse, efetivamente, o “lucro”
que retiram da Advocacia…
Ora, a verdade é que a esmagadora
maioria dos Advogados, pelo menos, os que estão em início de carreira (mas muitos outros estão na mesma situação, apesar de terem já alguns anos de exercício da profissão, não ganha EUR 1.480,00
por mês (ou, na lógica do milagre que acima referi, EUR 1.230,00)… muitos, na verdade,
ganham pouco (mesmo muito pouco) mais do que aquilo que precisam para pagar as
despesas mensais que lhes permitem ser Advogados.
E eis o primeiro problema: a CPAS “decretou”
que cada Advogado aufere, no mínimo, o equivalente a EUR 1.163,80 (i.e., duas vezes
índice contributivo, no valor de EUR 581,90) e calcula a contribuição mensal
mínima em função desse “decreto”.
E como fazer relativamente aos que
auferem menos que aquele valor? Vamos mandá-los da profissão para fora, porque
não conseguem pagar esse mínimo (erradamente) presumido?
É urgente que esse mínimo
presumido deixe de ser considerado aceitável e nos encaminhemos para um caminho
(o certo, não tenho dúvida, nem que seja por ser o que gera alguma igualdade
relativamente aos demais profissionais liberais) em que a presunção possa ser
ilidida: se um Advogado ganha o equivalente ao salário mínimo nacional deve
pagar contribuição equivalente a esse valor e não equivalente ao montante de
quase dois salários mínimos.
O problema, dirão muitos, é que,
com isso se coloca em causa a sustentabilidade da CPAS.
Se nada se fizesse, isso até pode
ser verdade. E, por isso, é urgente que algo se faça. E esse “algo” tem de
passar pela introdução do termo solidariedade no pensamento da CPAS.
A – desde logo, solidariedade
intergeracional: Não aceito (e quero lá saber se isso é ou não politicamente
correto) que um Advogado que continua a exercer depois de passar a ter reforma possa
ser tratado de forma diferente de todos os demais que exercem a profissão e
ficar apenas sujeitos a uma “amostra” (miserável amostra) de contribuição, em
vez de continuarem (enquanto exercerem) a descontar pelos seus rendimentos (incluindo
os que lhe advenham da CPAS)!
Sem prejudicar direitos adquiridos
(jamais tal me passaria pela cabeça), é urgente que a situação atual se altere
e essa noção de solidariedade intergeracional se instale de uma vez por todas,
em situações futuras! Só assim garantiremos o que é necessário atingir: uma
solidariedade intergeracional que se faça tanto dos mais novos para os mais velhos
quanto dos mais velhos para os mais novos!
B – mas, não menos, solidariedade
entre os que estão no ativo:
O problema maior da CPAS, neste
momento, é que o mínimo é igual para todos: paga EUR 251,38 o Advogado que
aufere EUR 900,00, como o Advogado que aufere EUR 9.000,00, como ainda o que
aufere EUR 90.000,00. E não me venham com a treta de que o que ganha EUR
9.000,00 apenas se está a desproteger, porque, ao não contribuir, não está a formar
a pensão de reforma compatível com o que está habituado a ganhar: a isso eu
respondo com uma sonora gargalhada! O que esse Colega está a fazer é que o jovem
Advogado contribua acima das suas capacidades contributivas, enquanto que ele
está – tão confortável quão vergonhosamente – a descontar muito abaixo da sua
capacidade contributiva (e, confesso que felizmente, entre eles me incluo).
Por isso, preconizo (há muito!)
que os critérios de definição da contribuição mínima de cada Avogado sejam
profundamente alterados. Preconizo algo que poderá parecer estranho, mas que me
parece profundamente eficaz, em quatro premissas:
1ª
–
total isenção de contribuições para a CPAS nos dois primeiros anos civis de
exercício da profissão: sem prejuízo de o Advogado entender começar a sua carreira
contributiva mais cedo (neste caso, escolhendo livremente o escalão por que
faria os seus descontos) e quer com o objetivo de contribuirmos todos para a
sua instalação no mercado, quer para permitir a fiabilidade do que proponho em 2-,
os Advogados ficariam dispensados de contribuir para a CPAS nos dois primeiros
anos civis de exercício da profissão;
2ª
–
abaixo do (novo) escalão mínimo, a todos os Advogados seria facultada a possibilidade
de demonstrar que auferira menos que o respetivo valor, sempre com fixação de
um mínimo de contribuição pelo 1º escalão: tomemos como referência o trimestre
(que facilmente é comprovável, v.g., por declarações de IVA ou por certidão fiscal
de que o mínimo para a ele se está sujeito foi atingido, com menção de valores)
e imaginemos que um Advogado:
a) ao longo do primeiro trimestre de um ano, auferiu honorários médios de EUR 450,00; comprovando-o, comunicará tal facto à CPAS e, no terceiro trimestre (não refiro o segundo, por impossibilidade e porque me parece importante que a CPAS tenha tempo para processar toda a documentação), pagará mensalmente EUR 94,27 – equivalente ao 3º escalão: EUR 450,00 < (0,75 x EUR 581,90 = EUR 436,43);
b) no segundo trimestre a coisa melhora e o Advogado auferiu honorários de EUR 5.000,00 (o que, em média, vai dar EUR 1.666,66); pelos mesmos critérios, no último trimestre desse ano, vai pagar mensalmente EUR 345,65 – contribuição equivalente ao 8º escalão: EUR 1.666,66 > (2,75 x EUR 581,90 = EUR 1.600,23);
c) no terceiro trimestre a coisa piora e o Advogado auferiu honorários médios de EUR 200,00; pelos mesmos critérios, no primeiro trimestre do ano seguinte, vai pagar mensalmente EUR 31,42 – equivalente ao 1º escalão: EUR 200 > (0,25 x EUR 581,90 = EUR 145,48);
d) se o último trimestre for de total ausência de honorários (ou e não atingir o equivalente ao tal mínimo de EUR 145,48), terá de pagar a contribuição mínima, os tais EUR 31,42;
3ª
– aumentar o mínimo de contribuição para o atual 12º escalão: a obrigação
de todo e qualquer Advogado cujos rendimentos não lhe permitissem fazer a
demonstração a que aludo na segunda premissa (ou, por hipótese, não a quisessem
fazer) seria a de pagar EUR 754,14;
4ª
–
a todos seria assegurada a possibilidade de, querendo (e mediante declaração
nesse sentido), contribuir por qualquer dos escalões acima do atual 12º (o que
passaria a ser o mínimo):
É obvio que este “sistema” não é
perfeito e estou seguro de que pode ser melhorado. Mas encontro-lhe vantagens:
– não é preciso que haja qualquer comunicação entre o
Fisco e a CPAS; não há qualquer violação do segredo fiscal de nenhum Advogado;
– parece-me que contribuirá para deixarmos de estar
na iniquidade de colocarmos sistematicamente em causa as condições de vida dos
Advogados que não auferem honorários suficientes para pagar o esbulho que, para
muitos, constitui o pagamento mensal de EUR 251,83;
– estaríamos a fazer com que todos os que, neste momento,
ganham mais que EUR 1.163,80 e menos que EUR 3.491,40 (i.e., mais que duas vezes
e menos que seis vezes o índice contributivo), passassem a pagar um pouco mais de
acordo com a respetiva capacidade contributiva;
– e estaríamos também a reconhecer algum respeito
pela História da CPAS – história que também passou pela liberdade de escolha da
contribuição, e que, acima de tais limites, não deve ser posta em causa; da
mesma maneira, tal nunca causaria problemas à CPAS: a reforma está condicionada
aos descontos efetivos… se algum Advogado quisesse melhorar a sua reforma
futura, descontando pelo 20º ou pelo 25º escalão, beneficiaria do seu esforço…
– não estaríamos a colocar em risco a sustentabilidade
da CPAS: estou, francamente, convencido de que o que defendo fará até aumentar
as receitas da Caixa (eu, por exemplo, não mais poderia contribuir pelo escalão
mínimo, mas colaboraria para a sustentabilidade da CPAS sem prejudicar os mais
novos – e, como eu, felizmente, muitos!).
– esse aumento de receita da CPAS poderá permitir-lhe
abrir caminho à implementação de uma visão assistencial, que lhe tem faltado e
que faz dela uma instituição por vezes “aparentemente inútil).
A minha reflexão é esta; está
feita há muito; agora, fica "preto no branco", se servir para alguma coisa…