sexta-feira, 20 de novembro de 2020

Não, não gosto...


 Habituei-me a ver o PCP do lado da solução. 

E gostava. 

Esta coisa de insistir em realizar o seu legítimo Congresso é legal? É! 

Mas demonstra um descomprometimento com o esforço coletivo de combate à pandemia que faz com que muitos, com igual legitimidade (entre os quais me incluo, confesso), o sintam como "parte do problema".

Porque o problema maior por que passamos neste momento, é perceber como se combatem os que, por convicção ou conveniência, negam o evidente: só exilados voluntariamente nas nossas casas poderemos vencer este vírus nojento sem desmanchar por completo a economia do país. 

Ora, o PCP, ao dizer que não há problema nenhum em que centenas de pessoas se desloquem, das mais diversas maneiras em direção a um "epicentro" político, que se reúnam nesse local, que encham (ao almoço e jantar, pelo menos) restaurantes vedados aos demais cidadãos, que se movimentem pelas ruas vedadas aos seus concidadãos, etc., está a aliar-se (e não direi inconscientemente, porque nada no PCP é inconsciente) aos que negam a necessidade de isolamento como medida mais eficaz de combate à pandemia. 

Hoje ou ontem, um responsável da Ordem dos Advogados perguntava numa rede social por que pode o Congresso do PC reunir e não pode a AG dos Advogados... E barbaridades dessas ouvimos a muita gente (a quem, transijamos, é difícil não dar razão)... 

Em suma, não é na legalidade ou na decência política que eu coloco o problema: é mesmo nesta para mim incompreensível decisão de se pôr do lado do problema e não, como tantos esperávamos, do lado da solução... 

E, obviamente, não gosto...

sexta-feira, 2 de outubro de 2020

terça-feira, 1 de setembro de 2020

Ser "parte do problema" é uma opção... má, mas uma opção...







Estou, francamente, farto de toda esta polémica à volta da Festa do Avante!

Honestamente, não creio que ali haja maior possibilidade de contágio do que houve nas touradas que se realizaram sem qualquer distanciamento social, nas cerimónias religiosas sem máscara, no “tudo ao molho e fé em deus” que têm sido as Feiras do Livro, nos jantares apoteóticos de alguns partidos, nas praias sem vigilância suficiente do número de “acessos”, nos comboios cheios (sei lá, em tanta coisa que me parece estranha, mas que, de facto, aconteceu)…
Nem dou para o peditório de que aquilo é um festival de música: não é! É uma atividade política de um partido político e tem de ser encarado como tal… afinal, por mais que isso custe a algumas pessoas, ainda temos uma Constituição em vigor e (contra ela, rectius, por causa dela) proibir a atividade política de um partido seria uma estupidez que qualquer Tribunal não poderia deixar de impossibilitar.
E, se não dou para esse, ainda menos dou para o daqueles populistas (uns encartados, outros de trazer por casa, outros até involuntários – que a propaganda dos encartados é forte e há quem não saiba ou queira usar os neurónios com que a inteligente natureza os dotou) que vêm com a treta de que o PCP está a fazer chantagem, face à necessidade de que se acha titular, no que ao próximo orçamento de Estado diz respeito…

O que me incomoda, verdadeiramente, é que o PCP esteja notoriamente a usar a sua Festa anual para fazer oposição ao Governo…

Senão, vejamos: nestes últimos dias – dias? semanas! –, o que se tem visto (já) não são ataques ao PCP por levar a (sua) avante e fazer a dita Festa; são mesmo ataques ao Governo, ora porque autorizou, ora porque não divulgou os critérios sanitários (ou porque os divulgou), ora porque a Graça isto, ora porque o Costa aquilo…
O PCP – e não me venham com tretas: nada no PCP é involuntário ou impensado – conscientemente, quis, quer e vai continuar a querer que a Festa do Avante seja um ponto de fragilização do Governo, do Primeiro-Ministro e da Administração Pública que, com mais ou menos capacidade e lógica, vem conduzindo o país nesta luta contra uma pandemia terrível (e, sem pejo o digo, com alguns claros sucessos, se comparados os resultados dessa luta com o de outros países).
Pelo meio, abre caminho a que os populistas (quer os encartados, quer os de trazer por casa, quer até as “vítimas” da propaganda) vão fazendo o mesmo caminho e batam no ceguinho de sempre (veja-se as marchas lentas, veja-se o encerrar de lojas, veja-se quase tudo à nossa volta)… e com óbvio sucesso, a avaliar pelo que é dito e ouvido nas esplanadas, tascas e cafés…


Incomoda-me pensar que o PCP sabe que prestaria melhor serviço à comunidade se tivesse cancelado a realização da Festa do Avante! e tivesse sido instrumento de saúde pública, ajudando os que estão na luta contra a pandemia na consciencialização de que o trabalho essencial é o de todo e qualquer cidadão que, no seu círculo restrito (familiar, laboral, social, etc.), vai praticando as medidas que impedem a propagação do vírus. E, sabendo-o, opte por fragilizar a mensagem, opte por fragilizar os mensageiros e opte por fragilizar os resultados. Fazer oposição com política de terra queimada não costumava ser modus operandi do PCP e dos seus dirigentes…


O PCP – como o BE, como Os Verdes, como o PAN – demonstrou, nos últimos anos, na bendita e infelizmente não repetida “geringonça”, que é – quando o taticismo primário não o impede – bem capaz de ser parte da solução… o futuro convoca-o, sob o meu ponto de vista, convoca todos, para voltar a sê-lo, em breve…

O problema é que – corra a Festa! bem ou corra a Festa! mal – a imagem que pode ficar no fim do seu promotor, de desprezo pela saúde pública e de oposição de “bota abaixo”, é bem capaz de relegar o PCP – por culpa sua e por ação própria – à condição de “parte do problema”...


E se, como a lógica manda, isso vier a significar que perderão aqueles que – em tese – se queriam proteger, de nada nos adiantará dizer que se voltou o feitiço contra o feiticeiro: não adianta chorar sobre leite derramado, quando foi derramado por culpa e ação do “chorador”…

É que ser "parte do problema" é uma opção... mas é uma opção muito má...

terça-feira, 25 de agosto de 2020

Para este peditório, não dou...


Razões por que me recuso a participar desta "fantochada":


1. Então, agora, a Ordem dos Advogados Portugueses faz inquéritos tipo o "programa da Cristina" ou do "Rui Santos pergunta", sem saber se quem respondeu é, de facto, Advogado, Solicitador ou Agente de Execução, sem saber (partindo do pressuposto de que só esses respondem - mega lol -) a quantas inquéritos responderam os que o fizeram, sem assegurar o mínimo de amostragem???!
(Caramba, só faltou mesmo que a "proposta" viesse acompanhada de um número daquele "760", com ou sem João Baião a dizer que é só "um euro mais IVA")...
2. Um inquérito faz-se com uma amostragem mínima, uma segurança mínima, uma qualidade mínima...
3. E faz-se com rigor nos conceitos: para um um Advogado, há apenas três formas possíveis para o exercício da profissão:
a) em prática individual (isolada ou individual strictu sensu);
b) em prática societária;
c) em contexto de contrato de trabalho (aqui se inserindo os Advogados de empresa e, obviamente, os falsos recibos verdes, sejam falsos recibos verdes por conta de sociedades de advogados, seja por conta de advogados em prática individual); chamar prática individual "à situação em que o escritório não é detido por mim, mas trabalho para outro(s) Advogado(s), Solicitador(es) ou Agente(s) de Execução" é de bradar aos céus! De alguém eleito para representar Advogados esperava-se algum rigor de linguagem, que não se comparasse a beira da estrada com a estrada da Beira, passe a expressão...

Razão fundamental: cada vez mais fico com a certeza de que a ideia não é perceber o que querem os Advogados, Solicitadores e Agentes de Execução, mas sim e apenas tentar descobrir que condimentos hão de ser postos no prato que já se decidiu qual vai ser para que o dito seja conveniente e (de preferência) silenciosamente engolido pelos Senhores Advogados, Solicitadores e Agentes de Execução...
Já aqui há tempos, por causa de umas "conferências" em que se chamou para falar apenas um lado da questão, tinha ficado com esta ideia: agora, fica-me a certeza...

quinta-feira, 28 de maio de 2020

Cobrar uma dívida, mais que um ato próprio, deve ser um ato exclusivo de Advogados e Solicitadores!



Vem o Público, falar-nos, na edição de 27 de maio de 2020 da disponibilidade do PS "para negociar a lei do 'cobrador do fraque' no Parlamento"...




Desculpar-me-á o senhor deputado Delgado Alves, mas sendo (em acumulação de funções) também professor da FDUL e também presidente de Junta, eu tenho de partir de um pressuposto: o de que vossa excelência sabe o que seja "boa-fé"!
E que a melhor doutrina manda que também na feitura de leis o legislador use dela...

E, por isso, pergunto-lhe: onde diabo fica esse conceito (essencialíssimo) de "boa-fé" quando o exemplo que dá para normalizar a atividade das empresas de cobrança é este: "Se alguém tem uma dívida do condomínio e o administrador lhe ligar a cobrar a dívida não precisa de recorrer a um advogado ou solicitador para o fazer"?

Já agora, por que é que a sua é opção continua a ser a fazer dos Portugueses cidadãos desprotegidos face a esses monstros (pelo menos, é o que resulta da sua expressão: “Transformar isto num acto próprio de advogado ou solicitador parece-nos excessivo”)?
Desconhece que os Advogados e Solicitadores, por força das regras deontológicas a que estão adstritos, garantem uma proteção muito maior aos cidadãos do que aquela que., com o seu projeto, diz que lhes quer conferir?
Imagina o que implicam para nós, Advogados e Solicitadores, valores como o segredo profissional, o dever de urbanidade, a proibição de publicidade (ilícita), um conjunto de deveres para com a comunidade, proibição de atuação em conflito de interesses?

É lamentável que faça de conta de que desconhece que jamais um Advogado ou um solicitador deixará de exercer a sua profissão em respeito absoluto pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos? Seja na cobrança de créditos dos seus clientes, seja em que matéria for!

Ao menos, seja verdadeiro com os Portugueses e com a opinião pública em geral: o lobby das empresas de gestão e recuperação de crédito é tremendamente poderoso e vossa excelência, senhor deputado, cedeu aos respetivos interesses, desprotegendo os cidadãos que diz querer proteger!!!

Quer proteger os cidadãos? Promova uma interpretação autêntica do artigo 6º da lei dos Atos Próprios dos Advogados e Solicitadores ("6 - São ainda actos próprios dos advogados e dos solicitadores os seguintes: (...) b) A negociação tendente à cobrança de créditos") e explique que a cobrança de créditos é mais que um ato próprio: é um ato exclusivo de Advogados e Solicitadores!

E aí, sim, demonstrará que está ao lado dos cidadãos e do Estado de Direito Democrático!

terça-feira, 24 de março de 2020

In memoriam...

Curvo-me perante a memória do Sr. Dr. Orlando Guedes da Costa, um Advogado com muitas letras maiúsculas com quem tive o prazer de aprender muitíssimo e que, soube hoje, perdemos da nossa convivência.
Recordo, grato, as palavras que lhe ouvi como advogado estagiário, quando era ele o presidente do (então) Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados.
Mas, com maior gratidão e verdadeira admiração, vêm-me muitas vezes à memória as saudáveis e francas trocas de impressões que tivemos aqui há uns três anos, no âmbito de um encontro de Advogados sobre Deontologia Profissional; participando ambos da mesma mesa, dessa ocasião, ainda mais se firmou em mim a convicção de que ceder um milímetro que seja à tentação de aligeirar a deontologia para fazer face aos desígnios de celeridade e competição do mundo atual é talvez o perigo maior que os Advogados e a Advocacia podem correr.
Obrigado por tamanha retidão, meu Colega!
Sinto uma profunda mágoa por estes tempos que vivemos não permitirem que lhe preste outra homenagem para além desta!
Continuarei a lê-lo! Ao menos, nesta sua obra, de que Advogado algum deveria prescindir!

sexta-feira, 13 de março de 2020

INTERVENÇÃO (Posse da CDAPA - Comissão de Defesa dos Atos Próprios da Advocacia)


Tive o privilégio de ser convidado pelo Senhor Bastonário da Ordem dos Advogados Portugueses, Professor Doutor Luís Menezes Leitão, para presidir à Comissão de Defesa dos Atos Próprios da Advocacia. 
Fica pública a intervenção aquando da tomada de posse:


«Ex.mo Senhor Bastonário da Ordem dos Advogados Portugueses, meu Bastonário!
Permitir-me-á que na pessoa de Vossa Excelência cumprimente todos os Advogados presentes nesta ocasião.
Permitir-me-á, igualmente, que publicamente agradeça a Vossa Excelência o convite que me endereçou para presidir neste triénio aos trabalhos (e que trabalhos vão ser!) da Comissão de Defesa dos Atos Próprios da Advocacia (CDAPA).
Permitir-me-á, igualmente, que agradeça a disponibilidade dos restantes nove elementos que, comigo, acabam de tomar posse enquanto membros da CDAPA. Estou seguro de que, em conjunto e em estreita e leal colaboração, tudo faremos para dar resposta aos desafios que a atualidade coloca à Profissão no que a esta matéria tão sensível diz respeito.
Há pouco mais de quinze anos (a lei dos Atos Próprios 49/2004 é de 24 de agosto), definiu, pela primeira vez na nossa história legislativa, atos próprios dos Advogados – e dos solicitadores, igualmente.
E se não é este o tempo de se fazer a análise do tempo histórico em que ela surgiu, é seguramente tempo para afirmarmos que ela não chega! Ter consagrado a ilicitude contraordenacional e mesmo criminal da prática de atos que são próprios da nossa Profissão não mudou tão radicalmente quanto se esperava (se é que, de facto, se esperava) a visão que a comunidade tem desses atos e dos profissionais que a eles estão habilitados; por outro lado, se temos de reconhecer que a Lei foi um avanço, neste momento, é notória a desatualização da normatividade vigente face aos desafios que o tempo e a política lhe foram pondo à frente.
E, não tenhamos medo de o afirmar, andamos há tempo demais a esconder a cabeça debaixo da areia e nem sempre a culpa foi “só” dos outros.
Cometemos erros que se podiam ter evitado:
- entre eles, não termos sabido superar dois comportamentos perigosos: o que vem da ideia “sempre fizemos assim” e o que é nasce da ideia “nunca fizemos assim”;
- mas, não menos, o de acharmos que basta, para resolver os problemas, que nos fechemos dentro de portas com reflexões belas na escrita, mas que só são eficazes nos papéis onde as tenhamos posto; como digo há anos, é imperioso que deixemos  de encontrar, nesta nossa casa, dirigentes da Ordem dos Advogados a falar para dirigentes da Ordem dos Advogados sobre assuntos que só interessam aos dirigentes da Ordem dos Advogados!
Porque, meus caros, não é com palavreado bonitinho, passe a expressão, mas com ação concreta que podemos fazer alguma coisa pela dignificação dos Atos Próprios da Advocacia!
Meu Bastonário, meus Colegas,
Já não são só as funerárias, as agências de contribuintes e de registos, as agências de trespasses, as imobiliárias, a pôr em causa o papel do Advogado e da Advocacia na defesa do cidadão.
O próprio Estado mandou dizer, em letra de lei, que os senhores Contabilistas Certificados passam, também eles, a ter o múnus que nos era exclusivo: o de “ser chamado para estar ao lado do cidadão”.
Ainda esta semana, veio a lume na comunicação social a notícia de que, perdida a batalha em 2018 para a regulamentação (leia-se a normalização) das empresas de cobranças de dívidas, um dos partidos com assento parlamentar – e que no nosso Parlamento tem especiais responsabilidade – volta à carga, regulando (de uma forma enviesada, é certo, mas regulando) precisamente essa atividade…
E há tantas outras situações que deixámos, enquanto Ordem, de querer combater…
Quantas vezes já ouvimos funcionários de registo dizer nas Conservatórias do Registo Civil que o Advogado só atrapalha? Quem de nós não leu algumas das minutinhas (“pérolas de má formação” técnico-jurídica) que esses mesmos trabalhadores do Estado espalham como sendo a forma ideal de os pais procederem à Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais dos seus filhos aquando de um Divórcio por Mútuo Consentimento?
Ainda a semana passada, me insurgi publicamente contra uma decisão publicada pelo Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas que (sic) afirmava o seguinte : «O CDSJ questionou a jornalista (….) sobre a queixa contra ela apresentada. A jornalista (….) respondeu ao CDSJ, (…), igualmente por mail e em resposta individual e pessoal, sem recurso a advogado, prática que o CDSJ saúda.». 
        Para cúmulo dos cúmulos – passe a expressão – temos a Autoridade da Concorrência a fazer-se passar por câmara de eco da posição da OCDE e, fazendo de conta que não entende que a Advocacia não é (nem quer ser, nem pode ser!) uma atividade comercial, a querer (para além de outros disparates, como licenciados em outras áreas que não o Direito a poderem aceder à Advocacia, ou a extinção da autorregulação da Profissão) exigir do legislador uma maior desregulamentação dos atos próprios dos Advogados, como se valesse a pena acreditar que pode, de facto, ser vantajoso para a cidadania e para o Estado de Direito uma (não demonstrada!) poupança de uma poucas dezenas de milhões de euros numa economia como a nossa, que teve um PIB, em 2019, de mais de duzentos e doze mil milhões … 
       Meu Bastonário, meus Colegas,
Não podemos continuar a fechar os olhos a todos estes e aos demais casos em que, denegrindo a Profissão e prejudicando os cidadãos, continuam a exercer os atos que são nossos.
Temos de ser nós a demonstrar a essencialidade da Profissão! E, sob o meu ponto de vista, a eficácia dessa demonstração  há de aferir-se pela alteração da imagem que de nós tem a comunidade: temos de convencer os cidadãos e as empresas de que estão desprotegidos e podem ser severamente prejudicados em todas as vezes que vão a qualquer instância onde a justiça se deve fazer sem estarem acompanhados daqueles que têm por vocação precisamente essa: a de estar ao seu lado…
É cada vez mais notório que urge alargar a perceção da sociedade de que os Advogados são parceiros e não adversários dos locais onde a justiça se vai fazendo, mesmo fora dos tribunais: temos de nos antecipar aos que, paulatinamente, vão tentando passar a ideia de que não fazemos lá falta e fazê-los perceber que sem Advogados a justiça será sempre “defeituosa”.
Trabalhar com centros de arbitragem, com as CPCJs, com os Julgados de Paz, com as próprias Conservatórias dos Registos e trazê-los a todos (como a nós próprios!) para a luta pela demonstração dos benefícios de cidadania que os Advogados trazem ao sistema de Justiça é imperioso. Só daí advirá a crescente consciencialização da essencialidade da Profissão…
E nunca serão demais os esforços que façamos para que isso se alcance: campanhas publicitárias assertivas e que tragam uma linguagem nova à nossa mensagem dirigida à comunidade; contactos nesse mesmo sentido com as instâncias de poder formal e informal com quem não devemos ter medo de contactar e de quem exigir mudanças de comportamento; apelo ao esforço de todos os Advogados para que sejam porta-vozes dessa nossa mensagem; estas entre outras que em conjunto e em equipa, espero viremos a definir, porque relevantes para o fim essencial…
E esse será um primeiro eixo (que anda de mãos dadas com a demonstração das vantagens da Advocacia Preventiva) sobre o qual nos teremos de debruçar.
O segundo eixo, sob o meu ponto de vista, será o de definir estratégias de combate àqueles que, esporádica ou profissionalmente, praticam atos que são nossos no dia a dia. Essas estratégias terão de ser concertadas entre os vários órgãos nacionais e regionais da nossa Ordem e partirem de dois pressupostos quanto a mim importantíssimos: o primeiro, o de que a CDAPA não pode (nem alguma vez quererá) imiscuir-se nas competências de outros órgãos da Ordem, nomeadamente dos seus Conselhos Regionais; o segundo, de que urge a definição conjunta de novos mecanismos de atuação orgânica (nunca supra-orgânica!) especialmente – mas não só! – naquelas situações que extravasam os limites territoriais de cada uma dos Conselhos Regionais e acabam por ter, seja porque razão for, uma abrangência maior que os seus limites territoriais, quantas vezes, até nacional.
O tempo é de urgência! E estou certo de que todos saberemos que as “capelinhas” a que cada um deu demasiada importância no passado são causa de dano e não de vantagem para o coletivo…
O terceiro eixo – sem dúvida o mais importante, razão pela qual o deixei para o final desta intervenção – será a definição, uma nova definição do que sejam os atos próprios da Advocacia.
Esta é talvez a matéria relativamente à qual entro em funções – e espero que entremos todos, os agora empossados – com menos “ideias feitas” ou, se se preferir, com menos certezas.
Sei (disso estou mesmo seguro) que é à fonte (às várias fontes) da Advocacia – nas suas diversas formas de exercício e nas suas diferentes formas de estar – que teremos de ir beber as ideias chave para as propostas que nos cabe apresentar.
E tenho a forte convicção de que é imperioso que não prescindamos de um alargamento efetivo do catálogo de quais sejam os Atos Próprios da nossa Profissão:
- um alargamento, desde logo, quantitativo: é imperioso que a tutela que é dada aos nossos atos próprios não só não diminua, como que passe a visar um maior número de intervenções em defesa do cidadão face ao insuficiente catálogo atual; mas, mais importante,
- um alargamento na qualidade (ou, talvez mais corretamente, na qualificação) do que sejam os Atos Próprios dos Advogados; e de uma coisa não podemos prescindir, sob pena de perdermos de vez a guerra contra os que querem que não sejamos os únicos a ser chamados para estarmos ao lado do cidadão: há atos que são mais que atos próprios: são atos que têm de ser exclusivos!
É essa a visão da CDAPA que o Senhor Bastonário nos desafia a ter. Temos consciência de que o desafio é enorme. Mas sei que tudo faremos para estar à altura de quem no-lo lançou e da sua dimensão!
Ao trabalho!»
(12/MAR/2020)

terça-feira, 25 de fevereiro de 2020

CONTRIBUTO PARA UMA REFORMA DA PREVIDÊNCIA DOS ADVOGADOS.


Há muito que reflito sobre as muitas formas como se pode traçar uma reforma da Previdência dos Advogados (e Solicitadores, já agora: embora não seja a minha “seara”, a CPAS é isso mesmo: Caixa de Previdência de Advogados e Solicitadores).
Não excluo – por ter de reconhecer que poderá ser a derradeira solução – a integração na CPAS na Segurança Social… E, porque a memória me leva a pensar no que foi a integração da Caixa dos Jornalistas no regime geral e o conhecimento das dificuldades por que crescentemente passam esses profissionais depois disso, creio que só mesmo como derradeira solução deverá ser pensada: a CPAS é fruto de uma História e de décadas de contribuições de milhares de Advogados e Solicitadores e essa História gerou um património e uma liberdade de ação (relativa, é certo, mas uma liberdade de ação) que não se pode vilipendiar sem mais.
Creio, porém, que urge pensar outros mecanismos, em face dos problemas reais por que passam os Advogados, precisamente por causa da sua Caixa e da necessidade que ela tem de financiamento e de sustentabilidade. E que é, neste momento, essa a encruzilhada em que nos encontramos como profissionais e como cidadãos. Não podemos esquecer que um Advogado só é verdadeiramente livre se tiver a liberdade financeira que lhe permita não sair do caminho ético que a sua Deontologia lhe avança, precisamente como garante dessa liberdade; mas também não podemos deixar de considerar que o levar dinheiro para casa, depois de pagar as despesas do exercício profissional, é essencial a que se mantenha como Advogado e que essa vocação merece, por parte dos seus pares e por parte do Estado, (no mínimo!) consideração.
Não vou perder tempo com a história que nos trouxe ao atual Regulamento da CPAS. Mas vou lembrar todos que o problema maior que ele tem é precisamente o de ter pesado (não exclusivamente, é verdade, mas muito fortemente) a sustentabilidade da CPAS como fator determinante das alterações havidas e de não ter dado o devido peso à consideração das condições de vida dos Advogados. E que, com isso, no essencial, estamos a prejudicar milhares de Advogados que, quase todos no início de carreira, não conseguem suportar o encargo (pesado, muito pesado!) que advém do pagamento de EUR 251,38 por mês para a sua contribuição para a CPAS.
Estamos a acrescentar EUR 251,38 a outras despesas de que nenhum profissional da Advocacia pode fugir, se quiser ter o mínimo de dignidade no seu escritório (dignidade que, contra o que muitos propugnam, não passa por mais que uma coisa essencial: garantir a matriz primordial da profissão, o segredo profissional!): a) o custo do espaço onde o domicílio profissional esteja estabelecido (vamos dizer “por baixo”) de EUR 300,00; b) as quotas para a OA, no valor de EUR 35,00; c) os custos com comunicações, água, luz elétrica e consumíveis do escritório (papel, toners, correios, etc), que nunca são inferiores, mesmo para um forreta, a EUR 150,00; d) seguros (de responsabilidade civil profissional e de acidentes de trabalho), esses de uns EUR 25,00 por mês; e) os transportes (sim, os tribunais não são à porta do escritório e a nossa casa também não), que devem consumir em média (e com sorte) uns EUR 100,00 a cada um de nós…
Ou seja, para cada um de nós ter uma porta aberta tem de gastar (e vou voltar a dizer: “por baixo”) EUR 850,00… alguns, ou porque se associaram com Colegas para dividir dias em que estão no escritório ou porque trabalham a partir de casa, ou por algum milagre que não sei como se alcança, conseguem baixar esse valor para um montante de EUR 600,00 ou EUR 650,00… mas a isso tem de se acrescentar o que é preciso levar para casa: nem todos os Advogados têm património que os sustente e nenhum deveria ter de passar pela humilhação de ver os pais a perpetuar a mesada para que possam continuar a sonhar ficar na profissão que têm por vocação. Pensemos, então, que levam para casa o valor equivalente ao salário mínimo e que é esse, efetivamente, o “lucro” que retiram da Advocacia…
Ora, a verdade é que a esmagadora maioria dos Advogados, pelo menos, os que estão em início de carreira (mas muitos outros estão na mesma situação, apesar de terem já alguns anos de exercício da profissão, não ganha EUR 1.480,00 por mês (ou, na lógica do milagre que acima referi, EUR 1.230,00)… muitos, na verdade, ganham pouco (mesmo muito pouco) mais do que aquilo que precisam para pagar as despesas mensais que lhes permitem ser Advogados.
E eis o primeiro problema: a CPAS “decretou” que cada Advogado aufere, no mínimo, o equivalente a EUR 1.163,80 (i.e., duas vezes índice contributivo, no valor de EUR 581,90) e calcula a contribuição mensal mínima em função desse “decreto”.
E como fazer relativamente aos que auferem menos que aquele valor? Vamos mandá-los da profissão para fora, porque não conseguem pagar esse mínimo (erradamente) presumido?
É urgente que esse mínimo presumido deixe de ser considerado aceitável e nos encaminhemos para um caminho (o certo, não tenho dúvida, nem que seja por ser o que gera alguma igualdade relativamente aos demais profissionais liberais) em que a presunção possa ser ilidida: se um Advogado ganha o equivalente ao salário mínimo nacional deve pagar contribuição equivalente a esse valor e não equivalente ao montante de quase dois salários mínimos.
O problema, dirão muitos, é que, com isso se coloca em causa a sustentabilidade da CPAS.
Se nada se fizesse, isso até pode ser verdade. E, por isso, é urgente que algo se faça. E esse “algo” tem de passar pela introdução do termo solidariedade no pensamento da CPAS.
A – desde logo, solidariedade intergeracional: Não aceito (e quero lá saber se isso é ou não politicamente correto) que um Advogado que continua a exercer depois de passar a ter reforma possa ser tratado de forma diferente de todos os demais que exercem a profissão e ficar apenas sujeitos a uma “amostra” (miserável amostra) de contribuição, em vez de continuarem (enquanto exercerem) a descontar pelos seus rendimentos (incluindo os que lhe advenham da CPAS)!
Sem prejudicar direitos adquiridos (jamais tal me passaria pela cabeça), é urgente que a situação atual se altere e essa noção de solidariedade intergeracional se instale de uma vez por todas, em situações futuras! Só assim garantiremos o que é necessário atingir: uma solidariedade intergeracional que se faça tanto dos mais novos para os mais velhos quanto dos mais velhos para os mais novos!
B – mas, não menos, solidariedade entre os que estão no ativo:
O problema maior da CPAS, neste momento, é que o mínimo é igual para todos: paga EUR 251,38 o Advogado que aufere EUR 900,00, como o Advogado que aufere EUR 9.000,00, como ainda o que aufere EUR 90.000,00. E não me venham com a treta de que o que ganha EUR 9.000,00 apenas se está a desproteger, porque, ao não contribuir, não está a formar a pensão de reforma compatível com o que está habituado a ganhar: a isso eu respondo com uma sonora gargalhada! O que esse Colega está a fazer é que o jovem Advogado contribua acima das suas capacidades contributivas, enquanto que ele está – tão confortável quão vergonhosamente – a descontar muito abaixo da sua capacidade contributiva (e, confesso que felizmente, entre eles me incluo).
Por isso, preconizo (há muito!) que os critérios de definição da contribuição mínima de cada Avogado sejam profundamente alterados. Preconizo algo que poderá parecer estranho, mas que me parece profundamente eficaz, em quatro premissas:
1ª – total isenção de contribuições para a CPAS nos dois primeiros anos civis de exercício da profissão: sem prejuízo de o Advogado entender começar a sua carreira contributiva mais cedo (neste caso, escolhendo livremente o escalão por que faria os seus descontos) e quer com o objetivo de contribuirmos todos para a sua instalação no mercado, quer para permitir a fiabilidade do que proponho em 2-, os Advogados ficariam dispensados de contribuir para a CPAS nos dois primeiros anos civis de exercício da profissão;
2ª – abaixo do (novo) escalão mínimo, a todos os Advogados seria facultada a possibilidade de demonstrar que auferira menos que o respetivo valor, sempre com fixação de um mínimo de contribuição pelo 1º escalão: tomemos como referência o trimestre (que facilmente é comprovável, v.g., por declarações de IVA ou por certidão fiscal de que o mínimo para a ele se está sujeito foi atingido, com menção de valores) e imaginemos que um Advogado:
a) ao longo do primeiro trimestre de um ano, auferiu honorários médios de EUR 450,00; comprovando-o, comunicará tal facto à CPAS e, no terceiro trimestre (não refiro o segundo, por impossibilidade e porque me parece importante que a CPAS tenha tempo para processar toda a documentação), pagará mensalmente EUR 94,27 – equivalente ao 3º escalão: EUR 450,00 < (0,75 x EUR 581,90 = EUR 436,43);
b) no segundo trimestre a coisa melhora e o Advogado auferiu honorários de EUR 5.000,00 (o que, em média, vai dar EUR 1.666,66); pelos mesmos critérios, no último trimestre desse ano, vai pagar mensalmente EUR 345,65 – contribuição equivalente ao 8º escalão: EUR 1.666,66 > (2,75 x EUR 581,90 = EUR 1.600,23);
c) no terceiro trimestre a coisa piora e o Advogado auferiu honorários médios de EUR 200,00; pelos mesmos critérios, no primeiro trimestre do ano seguinte, vai pagar mensalmente EUR 31,42 – equivalente ao 1º escalão: EUR 200 > (0,25 x EUR 581,90 = EUR 145,48);
d) se o último trimestre for de total ausência de honorários (ou e não atingir o equivalente ao tal mínimo de EUR 145,48), terá de pagar a contribuição mínima, os tais EUR 31,42;
3ª – aumentar o mínimo de contribuição para o atual 12º escalão: a obrigação de todo e qualquer Advogado cujos rendimentos não lhe permitissem fazer a demonstração a que aludo na segunda premissa (ou, por hipótese, não a quisessem fazer) seria a de pagar EUR 754,14;
4ª – a todos seria assegurada a possibilidade de, querendo (e mediante declaração nesse sentido), contribuir por qualquer dos escalões acima do atual 12º (o que passaria a ser o mínimo):

É obvio que este “sistema” não é perfeito e estou seguro de que pode ser melhorado. Mas encontro-lhe vantagens:
– não é preciso que haja qualquer comunicação entre o Fisco e a CPAS; não há qualquer violação do segredo fiscal de nenhum Advogado;
– parece-me que contribuirá para deixarmos de estar na iniquidade de colocarmos sistematicamente em causa as condições de vida dos Advogados que não auferem honorários suficientes para pagar o esbulho que, para muitos, constitui o pagamento mensal de EUR 251,83;
– estaríamos a fazer com que todos os que, neste momento, ganham mais que EUR 1.163,80 e menos que EUR 3.491,40 (i.e., mais que duas vezes e menos que seis vezes o índice contributivo), passassem a pagar um pouco mais de acordo com a respetiva capacidade contributiva;
– e estaríamos também a reconhecer algum respeito pela História da CPAS – história que também passou pela liberdade de escolha da contribuição, e que, acima de tais limites, não deve ser posta em causa; da mesma maneira, tal nunca causaria problemas à CPAS: a reforma está condicionada aos descontos efetivos… se algum Advogado quisesse melhorar a sua reforma futura, descontando pelo 20º ou pelo 25º escalão, beneficiaria do seu esforço…
– não estaríamos a colocar em risco a sustentabilidade da CPAS: estou, francamente, convencido de que o que defendo fará até aumentar as receitas da Caixa (eu, por exemplo, não mais poderia contribuir pelo escalão mínimo, mas colaboraria para a sustentabilidade da CPAS sem prejudicar os mais novos – e, como eu, felizmente, muitos!).
– esse aumento de receita da CPAS poderá permitir-lhe abrir caminho à implementação de uma visão assistencial, que lhe tem faltado e que faz dela uma instituição por vezes “aparentemente inútil).

A minha reflexão é esta; está feita há muito; agora, fica "preto no branco", se servir para alguma coisa…

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2020


A propósito desta coisa de quererem impedir a discussão dos projetos sobre eutanásia (e presumindo a autorização, posto que a declaração de voto  é pública e está publicada), aconselho vivamente a leitura de duas páginas de superior inteligência e profundo estudo sobre o assunto, onde o Senhor Professor André Gonçalo Dias Pereira diz tanto sobre o para onde devemos caminhar como comunidade...

Porque (e uso as suas palavras): o que andamos a discutir é saber se damos ou não "a primazia [à] autonomia da pessoa doente [face à] ilegitimidade de – numa sociedade plural e democrática – se querer impor certas formas de morrer a outras pessoas"...
Bem haja, Senhor Professor!

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2020

Independência vs autonomia... sim: "vs"!


Sei que vou ser “contra-corrente” e até pouco politicamente correto, mas ando francamente incomodado com este rasgar de vestes de tanta gente a propósito da decisão da Senhora Procuradora Geral da Républica de dar corpo internamente a este parecer do Conselho Consultivo da PGR… 
Com o devido respeito, que muito é, não se estará a dar demasiada aproximação ao conceito "independência" à autonomia que caracteriza o Ministério Público (coisa que a lei e a História por trás dela quiseram que fosse o que lhe está atribuído)?
Não pode haver independência numa estrutura (felizmente) pensada como hierarquizada...
Deixo, obviamente, o seguinte ponto prévio: rejeito pura e simplesmente a possibilidade (quanto a mim, ilegal - ainda para mais num órgão sujeito ao princípio da legalidade), repito, a possibilidade sequer de uma intervenção não escrita e sujeita, oportunamente, ao princípio da publicidade (mais que não seja porque, quanto a mim, é imperioso que o JIC possa perceber na totalidade o que se passou no processo durante a fase de inquérito, se efetivamente se quer que ele o sancione e "avalize" - as aspas são propositadas).
Já no que toca ao que muitos chamam de interferência, estou em crer que mais não é que o decurso da hierarquia e da hierarquização a que o Ministério Público está sujeito, a meu ver felizmente.
Talvez tenha que ver com a minha convicção do que é e deve ser o Ministério Público.
Sempre o entendi autónomo e nunca independente – indepenência que, sob o meu ponto de vista, a hierarquia impede pura e simplesmente.
E isso trouxe-me já alguns amargos de boca, confesso (v.g., há anos que um procurador se incomodou muito comigo e ainda hoje vive assim, incomodado – o que só me incomoda porque somos francamente amigos e não gosto de quezílias com amigos, confesso! – porque eu não abdico da minha decisão de nunca me referir a um procurador (salvo o que for PGR) como sendo "magistrado", coisa que não o faço por entender que o magister vem exclusivamente da independência e essa só a reconheço aos senhores juízes, no nosso quadro jurídico-constitucional).
Mas a verdade é que eu acho necessário que um procurador-coordenador tenha a legitimidade para dizer a um procurador da sua "equipa" que não é aquela a linha de investigação que deve seguir, mas antes aqueloutra, com vista a cumprir eficazmente o princípio da legalidade a que o Ministério Público, enquanto corpo e enquanto órgão, está adstrito.
Até porque considero que é nessa hierarquização que se define a regra essencial: os bons vão subindo e "ensinando" os que ainda lá não chegaram...
Passe o exemplo (que, por cautela, vou dizer que é absolutamente ficcionado), há meses, dei com um Colega a contar que, num inquérito, se apercebeu de que o seu constituinte estava tramado: o procurador adjunto estava mesmo a andar para onde lhe dava jeito em termos de investigação até certo ponto e, de um momento para o outro, a coisa começou a correr ao contrário. E contava que soube, depois e por mero acaso, que a coisa tinha acontecido assim porque alguém na PSP tinha ido "bichanar" ao superior hierárquico que a coisa estava a andar mal e o superior hierárquico tinha intervindo, corrigindo o comportamento (bem pensado se o objetivo era (e sei que era) para apanhar mais uns quantos do que os que se apanharam, mas pouco eficaz para a investigação, i.e., para a possibilidade de vir produzir uma acusação verdadeiramente forte e demonstrável – coisa que, confessadamente, até dava jeito ao cliente do tal Colega).
Vamos a factos?
– Essa intervenção não foi absolutamente secreta? Foi!
– Está documentada em lado nenhum do processo? Obviamente, não (e não será a mim que me lerá alguém a escrever que tal teve o fito de “proteger”, quase corporativamente, o mais abaixo na hierarquia) …
 Alguém se chateou ou rasgou as vestes por isso? Obviamente que não… até porque a prossecução da ideia de “legalidade” ficou reposta com a “intervenção oculta”...
– O que há de errado nisso? O facto de não ter sido documentada a intervenção (ao que tudo aponta, "musculada")... porque a legalidade, essa, garantiu-se só dessa forma!
Não me digam, portanto, que a intervenção nos termos em que o tal parecer a defende e propugna é má!
Não é! É uma decorrência normal de uma hierarquia e de uma hierarquização que a Constituição e a Lei querem, por muito que não agrade a uns e outros…
Uma nota final: eu sei que é difícil a quem preza a sua independência acima de tudo e sabe que ela (só ela!) é garantia de efetivação do Estado de Direito, pensar que haja dever de "obediência" (e ponho as aspas de propósito) oponível a alguém dos que trabalhamos nesta "coisa" que é a justiça... mas a verdade é que um Procurador não é independente: é parte de uma estrutura hierarquizada, que nem ela é independente: é autónoma...
Talvez tenhamos errado quando fizemos os agentes dessa hierarquia e a comunidade achar que sim (e fizemo-lo, v.g., nas becas iguais, nos gabinetes porta com porta em vez de estarem em edifícios diferentes as respetivas zonas de trabalho, nas bancada que são da mesma altura nas salas de audiências, etc...)...
Eu, pelo menos e com mágoa, tendo a considerar que sim cada vez mais...
Por mim, não prescindirei de colocar esta questão onde ela deve ser colocada: Independência vs autonomia... sim: "vs", porque são conflituantes e, quando deixarem de o ser, perderá muito mais o Estado de Direito Democrático que qualquer das sua instituições...

segunda-feira, 27 de janeiro de 2020

Esse defeito chamado "juventude"...











Ouço e leio, a propósito de Francisco Rodrigues dos Santos o mesmo tipo de comentários que ouvi, há semanas, a propósito da novel senhora Primeira Ministra da Finlândia.

Ouvi-os (leia-se, os comentários) há umas semanas, e tive a quase "esperança" (passe a estupidez) de que fossem uma espécie de ato falhado daquela franja de entre os machistas - do sexo masculino e do sexo feminino - que tentam disfarçar o seu posicionamento e, quando não podem bater numa mulher com poder por ela ser mulher, arranjam outra desculpa qualquer... e, dessa vez, a desculpa teria sido os 34 anos da senhora...
O problema é que são (quase) precisamente esses os que, ontem e anteontem, apontam a juventude do rebatizado "Chicão" como "o" problema.

E percebo que estava enganado: é mesmo uma espécie de "fobia à juventude" que move essa corrente de pensamento e (pior!) de ação... corrente não necessariamente cheia de cãs, mas com alguma brancura lá pelo "quinto andar"...

Nos meus quase 44, já me não deixo que me incluam nem no "grupo dos jovens" nem no "grupo dos cotas": estou naquele limbo delicioso em que observo, embora (infelizmente) observe os velhos a apoucar os jovens, ao mesmo tempo que (felizmente) os novos tentam aprender e perceber melhor o mundo (também) com os seus mais velhos...

E fica-me um consolo: a avaliar pelo que vão sendo estes mais jovens (mil vezes menos "com a puta da mania" que os mais velhos que tiveram por "modelo"), acho que o mundo poderá ser um bocadinho mais decente quando estes mais novos forem os velhos dos meus sobrinhos...

PS: Próximo do pensamento político de Sanna Marin, com certeza! Nos antípodas do que pensa o novo presidente do CDS-PP, com a mesma certeza! Mas num ponto, são parecidos: são, felizmente, ainda jovens!


quarta-feira, 22 de janeiro de 2020

Os meios alternativos de resolução de litígios têm de ser isso mesmo: alternativos!



Concordar com tudo o que afirma a (excelente - e cada vez mais excelente!) Senhora Deputada Cláudia Cruz Santos nesta sua intervenção não é fácil (v.g., a estatística mostra melhorias - mas notoriamente insuficientes - em matéria de ressocialização, coisa que quem lida com os arguidos enquanto pessoas concretas e não como números em estatística percebe, infelizmente).

A verdade, porém, é que algo muito importante resulta desta sua intervenção e que importa realçar: a justiça restaurativa é uma forma essencial de abordagem das questões da justiça e pode ser importantíssima (em bom rigor, até para a (re)definição de conceitos tidos por imutáveis como seja o de "paz social").
Agradeço, por isso, a sua intervenção! Bem haja por trazer esta mensagem à casa da Democracia, Senhora Deputada!

E, por isso, é preciso que não nos deslumbremos e tenhamos alguns cuidados - cuidados que muito gostaria que fossem preocupação efetiva do Governo e do GP do PS.

É preciso incentivá-la e, montada a sua rede, informar os cidadãos da sua existência, incentivando muito a sua utilização.
E isso é bom!
Porém, muito diverso desse bom é tornar o alternativo obrigatório (a meu ver, é até perigoso).
É importante que a justiça restaurativa -  seja vista como aquilo que é: um meio alternativo de resolução de litígios; e que, como alternativo que é, não pode sobrepor-se à Justiça de base Judicial...
Passe a expressão, não pode a alternativa tornar-se a "regra" e a "regra" tonar-se (mesmo que "sem querer) alternativa. 

E isso vale quer para as circunstâncias para qual a justiça restaurativa foi inicialmente pensada (as ligadas à criminalidade) quer para as demais - e falo aqui concretamente das que envolvem o conflilto em matérias de Crianças e Jovens.

Vem isto a propósito de uma intenção do programa de Governo, que passa pelo querer-se efetivar Regulações das Responsabilidades Parentais junto dos Julgados de Paz (o que importa atribuir-se-lhes competência para essa delicadíssima matéria, onde o conflito é tão latente e tão dolorosamente difícil de "deitar para trás das costas").
Pode parecer eficaz, porque os instrumentos de mediação estão lá e a composição paritária de interesses conflituantes pode ser feita nessa sede; pode até dizer-se que a homologação dos mecanismos de acordo nas Conservatórias não resultou e é preciso encontrar outro. 
Na aparência, isso é tudo verdade.
Mas "a porca torce o rabo" quando a mediação falha (e sabemos que falha!) ou quando a conciliação, promovida a maior parte das vezes pelos advogados, não é eficaz e o litígio se "institucionaliza".
Aí, se caírmos como comunidade no logro dessa (não) solução, correremos o risco de ter um não magistrado automaticamente elevado à categoria de decisor (em nome do povo) numa matéria onde nem todos os Juízes podem decidir (aliás e passe a expressão, onde não é um juiz qualquer a poder decidir)... e isso é um tremendo perigo.

Desculpar-me-ão a franqueza, mas não pode ser a falta de Juízos e Juízes de Crianças próximos (postos longe e mantidos longe porque o mapa judiciário os pôs longe e nunca se reverteu verdadeiramente essa aberração) a motivar que um não Juiz de Crianças tenha as competências que só mesmo um Juiz de Crianças poderia ter!
Como disse acima, converteríamos a boa regra, o Juiz de Crianças, em alterantiva! E isso não pode ser!
É preciso que os meios instrumentais da justiça restaurativa (nesta matéria das Crianças e Jovens) estejam sempre próximos dos Juízes de Crianças, que os assessorem, que os ajudem, que caminhem juntos!
Colocá-los longe é tornar ainda mais dificilmente solucionáveis os tremendos conflitos que esta jurisdição pode trazer.

Permitam-me o desabafo: temos uma Lei excelente... por tudo o que é mais sagrado (e não há nada mais sagrado que as nossas crianças!), não a inutilizemos com falta de meios e com má colocação dos que existem!