BREVE REFLEXÃO A PROPÓSITO DE UMA
SENTENÇA E DE UMA LEI E DESTA COISA DE (PODER) SER ADVOGADO…
Antes do mais, permito-me que
fique a minha declaração de interesses: sou daqueles que pensam que nem todos
os juristas podem ser advogados, mas que é essencial que todos os advogados
sejam (bons) juristas...
Isto a propósito de notícias de
jornais que me deram conta de que algumas pessoas pretenderão que uma
licenciatura em direito basta para que a Ordem dos Advogados Portugueses
atribua o título de advogado a um cidadão.
E, sem pejo (mas alguma vergonha),
diga-se que algumas dessas pessoas são advogados e (pasme-se) dirigentes e/ou
candidatos a dirigentes da Ordem dos Advogados…
Como ponto prévio, a estes (que
confundem a Ordem dos Advogados Portugueses com um sindicato), tomo a liberdade
de aconselhar – e vivamente – a leitura do artigo 3º daquela Lei da República
Portuguesa que se costuma apelidar de Estatuto da Ordem dos Advogados.
Verão que aquilo que defendem ser
o papel da Ordem dos Advogados (o de defesa da classe e dos seus profissionais)
é a quinta das suas atribuições; e, posto que não estarão por ordem alfabética,
talvez a leitura atenta das várias alíneas lhes permita "corrigir o
discurso"... afinal, parecerá que as quatro anteriores deverão ter “um
bocadinho” mais de importância…
A esses e aos que ainda não são
(ou que nunca serão, pouco importa) advogados, permito-me perguntar-lhes se lhes
parece decente que a Ordem dos Advogados Portugueses (que tem por atribuição
legal a defesa - intransigente, diria eu - do Estado de Direito, mas também a
de atribuir aos licenciados em direito o título - e as obrigações - de
advogado) permita a alguém sem preparação em todos (ou alguns) aspetos,
defender um cidadão que esteja sujeito a ter a sua liberdade ou o seu
património em risco num processo judicial.
O
estágio e a aferição das qualidades adquiridas ao longo dele num exame eficaz
são essenciais a que alguém possa chegar em frente a um seu concidadão e
dizer-lhe "o senhor pode confiar em mim: estou preparado para tudo fazer,
dentro da deontologia da minha profissão, para que o senhor não vá para a
cadeia...".
Esta é a questão aqui primordial:
tudo o mais são egoísmos e mesquinhices (seja de quem tem medo da concorrência
- e eu não tenho! - seja de quem acha que com facilidades se faz algo de bom
neste mundo).
Muitos falam no acesso a uma
profissão…
A advocacia, porém, não é apenas
uma profissão (não o é na essência): é o exercício de um conjunto de deveres e
(poucas) prerrogativas, emanadas de uma função social e de interesse público,
com uma deontologia extremamente rigorosa (a bem do Estado de Direito e da
cidadania) e que não está acessível a todos os juristas.
E que não pode estar acessível a
todos os juristas!
Enquanto não interiorizarmos isto
como comunidade, não teremos como discutir isto de forma sã (como há pouco
dizia, cairemos sempre nos egoísmos...).
Lamentavelmente, há quem queira
ser advogado sem ter a certeza de que está preparado com todas as ferramentas
para o ser, verdadeiramente…
Mais lamentavelmente ainda, há
quem seja e/ou queira ser dirigente da Ordem dos Advogados Portugueses e ache
que pode dormir descansado se a sua Ordem esquecer as suas obrigações e permitir
que venha a advogar quem não tenha aquelas ferramentas…