quarta-feira, 24 de agosto de 2022

Um pouco mais de mim...

 FAZENDO VERSOS

 

 

Pergunto-me às (tantas, demasiadas) vezes

Se o poema precisa de rima…

No verso,

Um rio que corre para onde

Naturalmente

Deve correr

Corre para cima

Se assim quiser…

E se, no que esconde

Quem escreve, se mente

Para se dizer a verdade

(E é assim que tem de ser),

Não vale o que lá estiver

Porque ali se sente

Uma espécie de liberdade

Que se faz presente

Mesmo quando a rima se ausenta?

 

Porto, 24 de agosto de 2022

quarta-feira, 10 de agosto de 2022

O "reviralho", versão década de (20)20...


Desculpa-me-á quem me leia a aparência (só aparência!!) de paternalismo, mas vejo algumas pessoas a opinar por aí mais como vítimas modernas de um síndrome que afetou a geração do meu pai... 

Naquele tempo, o do "botas" e dos pastores sedentos de carneiros (apud José Gomes Ferreira - poeta, humanista e soberbo mestre do versejar) quem não fosse radicalmente contra o Estado (a que isto chegou, diria outro herói de muitos) era a favor do Estado. E isso faz com que os que não eram comunistas (e muitos eram os que não eram) não se importavam de serem chamados como eles ou confundidos com eles e com o seu particular pensar...

Era a o tempo do reviralho; do original reviralho.

Mas todos os que eram sabiam que o desenvolvimento da comunidade que apregoavam era uma tremenda mentira e que o que nasceria de um mundo como o diziam querer era apenas o pôr no outro prato o peso que até ali estivera no outro lado.

E tenho para mim que  os que não eram suspeitavam muito de que era essa a consequência; mas importava mais ser do reviralho do que da situação.

A "chatice" nesse contexto eram, na verdade, os coerentemente consequentes: os que sabiam que o que apregoavam danaria por completo a possibilidade de deixar de haver gente que nasce para ser pobre e mesmo assim - porque tinham a esperança de beneficiarem disso, mesmo que o isso implicasse dar razão ao Garrett, quando falava das centenas de pobres que é preciso gerar para parir um rico -, estavam disponíveis para lutar por isso...

Hoje, o reviralho de antanho é "liberal", "conservador", totalmente negador da social democracia e da sua inerência maior: a igualdade e a certeza de que não quer que quem nasça pobre esteja condenado a assim viver e morrer e a assim ver viver e morrer os seus filhos e netos.

E, hoje como então, o preocupante são os coerentemente consequentes: sabem o mal que fazem e não se importam; têm a (esconsa esperança de irem comer a uma gamela que tanto dizem ver que devem saber como a gerar)...

E, a esses, vejo-os como calhordas!

Aos outros, vejo-os como "vítima da moda", desse novo "reviralho, versão década de (20)20...

O que me dá alguma esperança: a geração do meu pai também abriu os olhos e percebeu o quanto descentrar o pensamento do Ser Humano era mau para o ser(-se) humano...


segunda-feira, 20 de junho de 2022

Algumas notas que gostaria de tirar do resultado das eleições em França deste último fim de semana:

1. Macron é verdadeiramente herdeiro de uma cultura que se foi instalando na Europa no pós (flagelo que foi a era) Tatcher, e que ele próprio formulou como tese “ni droite, ni gauche”;

2. Os últimos 30 anos têm sido exatamente isso: uma Europa quase sempre com vergonha das diferenças ideológicas que marcam as distinções dentro de si mesma e entre si e o mundo (o de influência americana e o de influência asiática, se calhar não tão díspares como alguns gostam de fazer pensar);

3. Pelo meio, os mais desfavorecidos foram-se sentindo crescentemente deixados à sua sorte, com cada vez menos proteção social, com cada vez menos presença do Estado a assegurar a sua capacidade de serem iguais apesar de terem proveniências diferentes dos que se sentem (e com razão!) cada vez mais importantes e cada vez mais distantes de uma sensação de pertença a uma comunidade que tem no Estado o seu suporte de Dignidade, Respeito e Segurança;

4. Aproveitando-se disso, à direita e à esquerda, tomaram-se caminhos que temos de reconhecer como legítimos e, malogradamente, justificados (apenas agora: não o eram há trinta anos e não o eram justificadamente);

5. Se da deputada Le Pen não se esperava outra coisa (sempre procurou legitimação para a sua política de segregação, de desprotegimento dos mais fracos, desse nacionalismo bacoco que nos levou às Guerras Mundiais que prejudicaram essencialmente a Europa, destruindo-a e permitindo a (re)afirmação de outros "blocos" ainda hoje tremendamente fortes), talvez de Mélenchon se devesse esperar algo mais (afinal, de alguém que foi ministro da educação de Jospin e do tempo da convivência que o caracterizou, talvez se devesse esperar menos taticismo e maior cuidado com o Bem Comum);

6. A verdade, porém (e repito) é que ambos se justificam e se podem justificar no quadro atual (quadro que não é, manifestamente, exclusivo da França: países há em que a radicalização - à direita, essencialmente - se faz cada vez mais evidente e com consequências cada vez mais previsíveis...);

7. regresso ao ponto 1.: isso advém, sob o meu ponto de vista do apego de tantos (ainda hoje) ao que foi o flagelo (na era) Tatcher: a ideia de que se pode descaracterizar (subverter, até) um sistema político e manter todos as viver nas condições que esse sistema político lhes assegurava é uma estupidez sem conta e com consequências que estão à vista: um mundo pensado para pobres não faz dos ricos menos ricos; mas um mundo pensado para ricos faz dos pobres mais pobres, inelutavelmente!;

8. Erro talvez maior foi querer passar a ideia de que era a ideologia que matava o "sonho europeu": não era! Pelo contrário, era (e é!) a ideologia que o manteve vivo e capaz de fazer algo pelo Bem Comum!

9. Macron (que persiste na estupidez da sua "renascença", apresentando-a como "juntos"), é assim, herdeiro de si mesmo e da negação da Europa que dizia preconizar;

10. No meio disto, uns abandonaram o ideal europeu (à sua esquerda) e outros (à direita) ainda mais aos berros justificam a vontade de o enterrar - como se estivesse morto...;

11. E, sem se poder aliar, seja à esquerda (que hostilizou), seja à direita (que justificou), talvez não seja tarde para perceber que é no apelo à moderação (que apoia todos e não apenas alguns e que, se tiver de escolher, não tem vergonha de escolher os mais desfavorecidos) e na luta pelo Bem Comum que se pode construir mundo... 

12. Ou não... e, nesse caso, o umbiguismo (que muitos gostam de encobrir com o vocábulo - e já é mesmo só vocábulo - "liberalismo") irá fazendo o seu caminho;

13. Em suma: começamos agora a perceber a caixa de Pandora que o umbiguismo tatcheriano abriu; e eu gosto, francamente, pouco do aonde ele nos trouxe!

quarta-feira, 20 de abril de 2022

Porque as palavras (mais que não seja no que escondem mas dizem!) contam...

Uma das coisas que me tem feito uma confusão tremenda, nos últimos tempos da nossa vida em comunidade, é a facilidade com que comentadores da nossa praça (e, atrás deles – como se tem feito hábito, triste hábito – os políticos) vêm implantando a expressão “democracia liberal” no nosso dia a dia de discussão sobre a res publica.

Obviamente, não desconheço as origens da expressão e toda a história que está por detrás dela... a questão sobre a qual, hoje, me parece interessante refletir é sobre se o conceito é necessário e/ou tão neutro como muitos querem fazer crer. 

Motiva-me refletir sobre a tal moda de chamar "liberal" à Democracia a perceção de que o termo "voltou ao léxico" dos comentadores porque deixa passar – erradamente, quer-me parecer – a ideia de que um modelo liberal se contrapõe, quando falamos de Democracia, a outros modelos, nomeadamente os que baseiam a sua visão política na visão socialista (rectius, social democrata) em que se foi baseando a construção do modelo (social) europeu. 

E, sejamos claros, dá muito jeito a partidos do escopo liberal/radical liberal que temos que assim seja... Importa a alguns contrapor a Democracia já não tanto aos modelos autoritaristas de que Ela está nos antípodas, mas mais a modelos baseados na lógica de Estado de Direito Social, garante do Bem Comum que se quer passar a imagem de ser "castrador" e, por isso, perigoso.    

E, retomando a reflexão, a expressão é, nos dias que correm, profundamente desnecessária: desculpar-me-ão o meu radicalismo (naquele sentido que radical poder ter: o de não sair das origens), mas a Democracia é Democracia. Ponto! 

E está percebida pela comunidade como o que é: um sistema que nos defende do mais execrável que pode ter o ser humano: a tendência para o poder e a tendência para os autoritarismos (para o ser e para o deixar ser ). 

Aliás, é bom que não confundamos as coisas, insistindo artificialmente em chamar democracia à denominada “democratura” (ou “democracia guiada”). A comunidade já não precisa de "adoçantes" para chamar às ditaduras disfarçadas outra coisa que o que são: ditaduras!

Retiremos, pois, qualificações ao que as dispensa… E a Democracia não carece que a adjetivem: ou é ou não é”! (quando muito, a ser preciso - e não creio que seja! - adjetivá-la, use-se o epíteto de "constitucional": ensina muito mais sobre o que Ela deve ser...).

E, já agora (já que, acima, falei de neutralidade), não esqueçamos de algo (que passou desapercebido a muitos na noite eleitoral de 30 de janeiro último, mas que convém recordar sempre): a expressão do líder do partido IL que dizia que “[vão] continuar a doutrinar” até que o liberalismo se imponha…

Que eles queiram – num querer que é talvez tudo menos Democrático – continuar a doutrinar, é lá com eles; que quem tem a obrigação de lutar todos os dias pela Democracia que a nossa Constituição e a nossa intervenção no Projeto Europeu nos proporcionaram e garantem conviva bem com essa doutrinação (a proteja, até, em silêncios cúmplices e pronúncias irrefletidas), isso é que já me parece um erro. 

E um erro perigoso; daqueles que pode deitar abaixo uma Democracia...

segunda-feira, 11 de abril de 2022

Repensar um mundo em que vale mais o "do contra" que o "a favor"...


 

Não me espanta a ascensão da candidata da extrema-direita em França.

O contexto internacional é-lhe favorável, com um crescimento há muito anunciado dos movimentos daquela natureza um pouco por todo o mundo e (por que haveria de ser diferente?) também na Europa.

A França desdobrou-se, nos últimos anos (e, por ventura, renegando-se), num jogo de “ricos e pobres” em que nem uns nem outros se sentem satisfeitos (ou, pior, representados) pelo poder existente.

E passou a ser no cidadão que procura respostas no “mouvement des gilets jaunes” que muitas das alterações de mentalidade se fizeram: os franceses sabem protestar e têm no protesto cívico uma arma de há muitos anos. Porém, se sempre vi esse protesto como gizando a defesa da comunidade e como instrumento de procura do bem comum (muito mais enfocado nos ganhos para a comunidade do que no ganho para o seu próprio pequeno mundo), de há uns anos a esta parte verifico que o protesto é sucessiva e crescentemente voltado para o “egoísmo” de quem protesta e para a visão de que melhorar a condição de si próprio importa mais do que melhorar a condição de vida da comunidade como um todo.

E talvez esteja aqui o foco do problema maior com que Europa se defronta no próximo dia 24 de abril (não, não é apenas a França: é toda a Europa – o projeto Europeu, especialmente o projeto social Europeu, não sobreviverá a uma espécie de Brexit à francesa e é sobre ele que, de há décadas para cá temos assente o nosso sonho de crescimento e bem estar).

A Sra. Le Pen não é o diabo: belzebu para o projeto europeu é o programa político, económico e social que traz consigo, apesar de ter tentado disfarçar a xenofobia e o nacionalismo que o caracterizam com salvíficos anúncios de defesa de uma França maior (onde é que já se ouviu isto, não é?). Cheira a “gato escondido com o rabo de fora”? Claro que cheira! Mas no contexto em que o âmago da discussão se transportou da comunidade para o umbigo, é fácil esse disfarce.

E, se para sermos francos, temos de reconhecer que os principais culpados por isso somos os que andamos a pensar a coisa pública há décadas e nada fizemos para inverter a tendência para que isso acontecesse, não podemos deixar de considerar que há uma franja significativa e poderosa da sociedade que deseja ardentemente o colapso do Estado Social, que considera um entrave ao que é o seu único objetivo (que as “suas” companhias sejam ainda mais lucrativas, para que os seus prémios sejam ainda mais chorudos. Não chegarei ao ponto (ou à estupidez!) de dizer que quem pensa a coisa pública acabou por deixar o Estado na mão de quem quer destruir o Estado de Direito Democrático e Social; mas tenho de reconhecer que o fomos enfraquecendo como tal, preterindo o todo por alguns.

E é por isso que ouvir o derrotado Mélenchon (não apenas ontem: também já antes, durante a campanha) me incomodou tremendamente: nunca foi “pour” (não importa o quê), foi sempre “contre” (contra o Macron, contra a Le Pen, contra, contra, contra)…

Entristeceu-me tremendamente ver um país inteiro (ainda para mais o que nos deu o conceito de “liberte, egalité, fraternité”) envolto num clima de “sou contra”!

Não sei se Macron será capaz de arrepiar caminho e caminhar em direção a algo (lá está, ser “pour”). Mas tenho essa esperança: algum dia haverá de caminhar no sentido de retornar a França ao tempo em que seja na comunidade, no bem comum e no todos importam que se ensaiará o jogo político.

E não, não é por estar contra a Sra. Le Pen que não votaria nela (que diabo estaria eu a fazer se me pusesse a refletir sobre os efeitos do “contra” e, depois, me deixasse cair na falácia de o acabar sendo?).

Se votasse em França, votaria por um sonho de um “a favor”: a favor de uma França europeísta (mais que meramente europeia), de uma França mais igual, mais justa, mais respeitadora de todos, mais integradora… de uma França mais “França”…

terça-feira, 8 de fevereiro de 2022

Falemos um pouco de Democracia, sim?


Acho uma piada tremenda aos que acham que os 230 deputados que elegemos no passado dia 30 de janeiro têm de sancionar o nome de um deles (no caso, do deputado Amorim) para a função de Vice-Presidente da Assembleia da República... 

E, ainda mais piada acho (sim, estou a ser irónico!), quando dizem que votar em sentido diverso dessa sua vontade é boicotar os eleitores do partido que permitiu a esse candidato ser deputado.

É óbvio que um partido que nega a Democracia, que nega o parlamentarismo, que até pede um (quase) messiânico presidencialismo não dirá outra coisa... daí a poder impor a sua vontade aos demais 218 deputados vai um caminho longo (e que longo se quer)!

Na verdade:
- da Democracia decorre a eleição direta dos (in casu) 12 deputados do partido Chega; ninguém lhes retira a qualidade ou a legitimidade: são deputados à Assembleia da República;
- da Democracia decorre a respetiva capacidade eleitoral passiva para todas as funções inerentes ao estatuto de deputado;
- também da Democracia decorre a capacidade eleitoral (ativa, neste caso) dos 230 deputados eleitos à AR, ou seja, a capacidade de eleger, para o que aqui importa, os Presidente e Vice-Presidentes da AR;
- qualquer um que se apresente a qualquer função que decorra de eleições sabe que, sujeito ao escrutínio dos seus pares, pode ou não ser eleito;

Em suma:
a) tem legitimidade o partido Chega para apresentar, de entre os seus eleitos, um candidato a Vice-Presidente da AR? Obviamente!
b) têm os deputados, que de acordo com a sua consciência e com o programa eleitoral a que aderiram, de sufragar essa apresentação? obviamente, não: fá-lo-ão se a sua consciência o ditar, negarão esse sufrágio se a sua consciência o mandar (se reparar, nem os do partido Chega estão a isso "sujeitos")!

Isso é Democracia!
Respeitá-la é um imperativo (categórico) para os Democratas!

Por isso, não me venham com a treta de que há alguma espécie de boicote a quem votou (seja em que partido tiver votado)!
Todos os que votámos no passado dia 30 de janeiro participámos numa eleição que constitucionalmente está definida como servindo para eleger deputados; e deputados de quem se espera que, de acordo com o programa eleitoral a que aderiram e com a sua consciência, o sejam plenamente.

A Democracia tem regras, meus senhores!
A eleição (na sua vertente ativa e passiva) é uma delas!
Querer impor seja o que for aos demais, isso sim, é boicotar a Democracia!

Haja decoro!