Até porque está na moda, faço a as seguintes declarações de interesses: sou militante do Partido Socialista e sou Advogado; uma condição não anula a outra: se por esta última faço vida dos problemas dos outros, aquela é uma das melhores formas que encontrei para o que me parece mais importante no meu devir, leia-se, tudo fazer para diminuir os problemas dos meus concidadãos.
Questão prévia: infelizmente, a questão sobre a qual me proponho
pensar tem um lastro indesmentível: as Ordens Profissionais deixaram-se (auto e
hétero) enlevar com demasiada facilidade ao estatuto de Oposição aos Governos (especialmente
ao atual e ao que o antecedeu) e a tentação natural de lhes colocar a pata em
cima (passe a expressão) é quase óbvia… porém, não foi para isso que elegemos
duzentos e trinta Deputados à Assembleia da República!
Mesmo concordando que (desde a execrável bastonária da Ordem
dos Enfermeiros ao sempre presente (para maldizer) bastonário da Ordem dos
Médicos, ao – lamentavelmente! – mais preocupado em ser arauto do PSD que Bastonário
dos Advogados que tem sido o bastonário da Ordem dos Advogados) os
representantes eleitos das Ordens Profissionais têm extravasado em demasia as
suas funções, a verdade é que não é pela lei da rolha ou por criar dentro delas
órgãos com forte influência do Estado e não dos seus associados que passa a
solução dos problemas: a Liberdade sempre se fez pela libertação e jamais se
alcança pela tentativa de normalização das grilhetas, sejam elas quais forem!
Isto posto, várias críticas me merecem o Projeto de Lei n.º 974/XIV/3.ª, apresentado pelo Partido de que sou militante:
1. Pela
positiva:
a. O
facto de se ter alguma mão – finalmente! – na proliferação das Ordens Profissionais:
cresciam como cogumelos e é bom que se perceba que só fazem sentido quando de facto,
fazem sentido;
b. O
facto de se prever que a (sic) “a fiscalização sobre a atuação dos seus
membros no âmbito das suas funções, para efeitos de exercício do poder
disciplinar, podendo estabelecer protocolos com os competentes serviços de
fiscalização e inspeção do Estado”: irrelevante – espero – no contexto das Ordens
dos Advogados e dos Solicitadores e Agentes de Execução, pode ser muitíssimo
importante para que essa fiscalização seja atempada e assertiva em outras Ordens
Profissionais;
c. O
facto de – v. a nova redação do artigo 8º, nº 1, alínea d) – se obrigar à
abertura de estágios pelo menos uma vez por ano: nada justificava que se
deixasse à discricionariedade das Ordens quando poderiam entrar novos
profissionais no mercado de trabalho;
d. A
previsão de que, na fase formativa do estágio profissional não devem ser ministradas
matérias que as faculdades têm por obrigação ter ensinado (v. o novo
número 6 do artigo 8º): pensado na dos Advogados, deve ensinar-se Deontologia e
as demais ferramentas que sejam novas; repetir o que o candidato à Advocacia já
deveria saber sempre foi algo que critiquei e que, agora, se vê corrigido;
2. Pela
negativa:
a. a
colocação da representação e defesa dos interesses gerais da profissão que lhes
está acometida ao serviço do quadro o respeito dos direitos e interesses gerais
dos destinatários dos serviços: o que se faz (com péssima técnica
legislativa) é retirar às Ordens aquilo que era sua função imanente e que
estava na alínea a) do nº 1 do artigo 5º da LAPP: atribuir-lhes, prima facie,
(sic) “a defesa dos interesses gerais dos destinatários dos serviços”;
isto não é inocente, obviamente, mas a verdade é que é um mau caminho: as
Ordens deixam, doravante, de poder dizer ser sua atribuição defender os
clientes dos utentes das profissões que representam e isso é péssimo para a
cidadania!;
b. a
redação nóvel do número 3 do artigo 5º: a retirada da expressão “que não
estejam previstas na lei” é de uma gravidade que só se compreende pelo que
deixei dito em 2.a.: como as Ordens deixam de ter atribuições de defesa dos clientes
dos seus profissionais, deixam de ter suporte ético para o exercício de algo
que só se explicava por aí; na verdade, as restrições de acesso às profissões
só se justificavam porque estavam ao serviço da boa prestação de serviços aos
cidadãos; se isso deixa de ser preocupação das Ordens, começa o regabofe;
c. a
diminuição do período de estágio para um máximo de um ano: tenho o privilégio
de ter patrocinado já alguns estágios e tenho por medida o facto de um deles me
ter pedido para prorrogar o estágio por mais seis meses por entender que o tempo
do estágio não era suficiente para o que entendia que deveria aprender; falando
só da Advocacia, tenho por certo que um ano entre a inscrição e a obtenção de cédula
profissional é manifestamente insuficiente para que alguém possa dizer que apreendeu
o necessário do quão diferente é ser-se jurista de ser-se advogado; quem perde? Obviamente,
os clientes desses futuros advogados que não os terão preparados e com bases
sólidas numa profissão que tem tanto de difícil quanto de bela; mas isso (volto
ao mesmo) importa pouco: às Ordens Profissionais já não compete “a defesa
dos interesses gerais dos destinatários dos serviços”; infelizmente;
d. a
circunstância de (sic – v. o novo número 8 do artigo 8º) “A avaliação
final do estágio é da responsabilidade de um júri independente, que deve
integrar personalidades de reconhecido mérito, que não sejam membros da
associação pública profissional.”; perdoem-me a franqueza, quem melhor que
um Advogado pode avaliar se um candidato a sê-lo está preparado para que se lhe
entregue uma cédula profissional? Concordaria que tivessem de ser membros do Júri
Juízes, Procuradores e/ou (com mais reserva) Professores de Direito; excluir os
Advogados do processo é uma indignidade para com os próprios candidatos!;
e. o
Provedor: não me incomodaria se não fosse previsto ser designado de entre
uma pré-escolha pela (sic) “entidade pública responsável pela defesa do
consumidor”… o Estado decide quem lá quer e o Bastonário só escolhe quem
lhe parece melhor de entre os três? Uma aberração!;
f.
O órgão de supervisão (v. o novo artigo
15º-A): e este em vários planos
i.
Desde logo, nas suas funções: regular não
é decidir sobre recurso de decisões disciplinares: isso é julgar (mesmo que em
recurso); regular não é reconhecer habilitações de estrangeiros: isso é tarefa
executiva e deve caber aos órgãos executivos; regular não é (não poder ser!)
ter o direito exclusivo de pronúncia sobre questões como a fixação de atos (que
devam ser) exclusivos das profissões, ainda para mais quando da sua composição
não consta uma maioria de Advogados;
ii.
na sua
composição: ainda para mais num momento em que tanto se fala (não sei se
bem!) da diminuição dos não juízes e dos não procuradores dos respetivos
Conselhos Superiores, inverter-se a lógica para as Ordens, a dos Advogados à cabeça, não se compreende!;
iii. Na sua incapacidade prática: alguém imagina possível que um órgão como o órgão de supervisão pode manter o mesmo nível de produtividade que até até aqui tem o Conselho Superior da Ordem dos Advogados (onde, sozinho, tramitei mais de duzentos processos em três anos, mas onde era um em vinte e um membros) sendo reduzido para sete membros e com funções mais abrangentes do que aquelas que tem o atual órgão de jurisdição máxima da OA? Não brinquemos com coisas sérias!
3. Sobre
um ponto não tenho opinião formada e confesso que não me sinto capaz de
defender uma dama ou a outra: a possibilidade das chamadas sociedades
multidisciplinares… sei que me socorro frequentemente de médicos,
contabilistas, revisores oficiais de contas, de arquitetos ou engenheiros para
o exercício da minha profissão: não os quereria para meus sócios (porque o
segredo profissional é demasiado sagrado para que possa prescindir dele por
força de um contrato de sociedade a favor de quem não o tem por força da lei);
mas a verdade é que, salvaguardado o segredo, elas até podem ser uma forma de
garantir melhores serviços… confessadamente, não sei o que pensar do assunto… No entanto, o facto de se garantir a possibilidade
de serem (sic – v. o novo artigo 27º, nº 4) “sócios, gerentes
ou administradores das sociedades [multidisciplinares] pessoas que não
possuam as qualificações profissionais exigidas para o exercício das profissões
organizadas na associação pública profissional respetiva (…)” faz-me
francamente temer o pior: pensando na Advocacia, como se salvaguardam os valores
essenciais da Profissão quando o patrão não tem de comungar deles e visa
exclusivamente que a sua sociedade dê lucro? Acho que andamos a brincar e
que quem pensou esta alarvidade não conhece o conceito de caixa de Pandora…
Em suma, o cômputo geral é
dececionante, senhores Deputados proponentes:
· é preciso proteger mais os clientes? Sem dúvida!
Mas faça-se isso em colaboração, não em oposição…
· é preciso garantir o fluxo rápido dos alunos das
faculdades para o mercado de trabalho? Até dou de barato que sim… porém, algum
dos Senhores Deputados entregaria a sua Liberdade ou a sua Fazenda a um
advogado licenciado em quatro anos e com um “amostra” de estágio de pouco mais de (na prática) seis meses? É óbvio que não! Mas também é óbvio que estão a entregar a Liberdade e a
Fazenda dos que precisam dos Advogados que prestam o chamado patrocínio oficioso
tanto aos que cá estão e estão preparados como aos que aí vêm e que jamais
estarão!
· é preciso democratizar a supervisão as Ordens? Com
certeza! Mas, então, faça-se isso através de verdadeira supervisão, não através
de mecanismos de controle estadual de que ninguém efetivamente precisa!
Tendes tempo para melhor…
esperemos que o saibais aproveitar!