Curvo-me perante a memória do Sr. Dr. Orlando Guedes da Costa, um Advogado com muitas letras maiúsculas com quem tive o prazer de aprender muitíssimo e que, soube hoje, perdemos da nossa convivência.
Recordo, grato, as palavras que lhe ouvi como advogado estagiário, quando era ele o presidente do (então) Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados.
Mas, com maior gratidão e verdadeira admiração, vêm-me muitas vezes à memória as saudáveis e francas trocas de impressões que tivemos aqui há uns três anos, no âmbito de um encontro de Advogados sobre Deontologia Profissional; participando ambos da mesma mesa, dessa ocasião, ainda mais se firmou em mim a convicção de que ceder um milímetro que seja à tentação de aligeirar a deontologia para fazer face aos desígnios de celeridade e competição do mundo atual é talvez o perigo maior que os Advogados e a Advocacia podem correr.
Obrigado por tamanha retidão, meu Colega!
Sinto uma profunda mágoa por estes tempos que vivemos não permitirem que lhe preste outra homenagem para além desta!
Continuarei a lê-lo! Ao menos, nesta sua obra, de que Advogado algum deveria prescindir!
terça-feira, 24 de março de 2020
sexta-feira, 13 de março de 2020
INTERVENÇÃO (Posse da CDAPA - Comissão de Defesa dos Atos Próprios da Advocacia)
Tive o privilégio de ser convidado pelo Senhor Bastonário da Ordem dos Advogados Portugueses, Professor Doutor Luís Menezes Leitão, para presidir à Comissão de Defesa dos Atos Próprios da Advocacia.
Fica pública a intervenção aquando da tomada de posse:
«Ex.mo
Senhor Bastonário da Ordem dos Advogados Portugueses, meu Bastonário!
Permitir-me-á
que na pessoa de Vossa Excelência cumprimente todos os Advogados presentes
nesta ocasião.
Permitir-me-á,
igualmente, que publicamente agradeça a Vossa Excelência o convite que me
endereçou para presidir neste triénio aos trabalhos (e que trabalhos vão ser!)
da Comissão de Defesa dos Atos Próprios da Advocacia (CDAPA).
Permitir-me-á,
igualmente, que agradeça a disponibilidade dos restantes nove elementos que,
comigo, acabam de tomar posse enquanto membros da CDAPA. Estou seguro de que,
em conjunto e em estreita e leal colaboração, tudo faremos para dar resposta
aos desafios que a atualidade coloca à Profissão no que a esta matéria tão
sensível diz respeito.
Há
pouco mais de quinze anos (a lei dos Atos Próprios 49/2004 é de 24 de agosto),
definiu, pela primeira vez na nossa história legislativa, atos próprios dos
Advogados – e dos solicitadores, igualmente.
E
se não é este o tempo de se fazer a análise do tempo histórico em que ela
surgiu, é seguramente tempo para afirmarmos que ela não chega! Ter consagrado a
ilicitude contraordenacional e mesmo criminal da prática de atos que são
próprios da nossa Profissão não mudou tão radicalmente quanto se esperava (se é
que, de facto, se esperava) a visão que a comunidade tem desses atos e dos
profissionais que a eles estão habilitados; por outro lado, se temos de reconhecer
que a Lei foi um avanço, neste momento, é notória a desatualização da
normatividade vigente face aos desafios que o tempo e a política lhe foram
pondo à frente.
E,
não tenhamos medo de o afirmar, andamos há tempo demais a esconder a cabeça
debaixo da areia e nem sempre a culpa foi “só” dos outros.
Cometemos
erros que se podiam ter evitado:
-
entre eles, não termos sabido superar dois comportamentos perigosos: o que vem
da ideia “sempre fizemos assim” e o que é nasce da ideia “nunca
fizemos assim”;
-
mas, não menos, o de acharmos que basta, para resolver os problemas, que nos
fechemos dentro de portas com reflexões belas na escrita, mas que só são
eficazes nos papéis onde as tenhamos posto; como digo há anos, é imperioso que
deixemos de encontrar, nesta nossa casa,
dirigentes da Ordem dos Advogados a falar para dirigentes da Ordem dos
Advogados sobre assuntos que só interessam aos dirigentes da Ordem dos
Advogados!
Porque,
meus caros, não é com palavreado bonitinho, passe a expressão, mas com ação
concreta que podemos fazer alguma coisa pela dignificação dos Atos Próprios da
Advocacia!
Meu
Bastonário, meus Colegas,
Já
não são só as funerárias, as agências de contribuintes e de registos, as
agências de trespasses, as imobiliárias, a pôr em causa o papel do Advogado e
da Advocacia na defesa do cidadão.
O
próprio Estado mandou dizer, em letra de lei, que os senhores Contabilistas
Certificados passam, também eles, a ter o múnus que nos era exclusivo: o de
“ser chamado para estar ao lado do cidadão”.
Ainda esta semana, veio a lume na
comunicação social a notícia de que, perdida a batalha em 2018 para a
regulamentação (leia-se a normalização) das empresas de cobranças de dívidas,
um dos partidos com assento parlamentar – e que no nosso Parlamento tem especiais
responsabilidade – volta à carga, regulando (de uma forma enviesada, é certo,
mas regulando) precisamente essa atividade…
E há tantas outras situações que deixámos,
enquanto Ordem, de querer combater…
Quantas vezes já ouvimos
funcionários de registo dizer nas Conservatórias do Registo Civil que o
Advogado só atrapalha? Quem de nós não leu algumas das minutinhas (“pérolas de
má formação” técnico-jurídica) que esses mesmos trabalhadores do Estado espalham
como sendo a forma ideal de os pais procederem à Regulação do Exercício das
Responsabilidades Parentais dos seus filhos aquando de um Divórcio por Mútuo
Consentimento?
Ainda a semana passada, me insurgi
publicamente contra uma decisão publicada pelo Conselho Deontológico do
Sindicato dos Jornalistas que (sic) afirmava o seguinte : «O CDSJ questionou a jornalista (….) sobre a queixa contra ela apresentada. A jornalista (….) respondeu ao CDSJ, (…), igualmente por mail e em resposta individual e pessoal, sem recurso a advogado, prática que o CDSJ saúda.».
Para cúmulo dos cúmulos – passe a expressão – temos a Autoridade da Concorrência a fazer-se passar por câmara de eco da posição da OCDE e, fazendo de conta que não entende que a Advocacia não é (nem quer ser, nem pode ser!) uma atividade comercial, a querer (para além de outros disparates, como licenciados em outras áreas que não o Direito a poderem aceder à Advocacia, ou a extinção da autorregulação da Profissão) exigir do legislador uma maior desregulamentação dos atos próprios dos Advogados, como se valesse a pena acreditar que pode, de facto, ser vantajoso para a cidadania e para o Estado de Direito uma (não demonstrada!) poupança de uma poucas dezenas de milhões de euros numa economia como a nossa, que teve um PIB, em 2019, de mais de duzentos e doze mil milhões …
Meu Bastonário, meus Colegas,
Não
podemos continuar a fechar os olhos a todos estes e aos demais casos em que,
denegrindo a Profissão e prejudicando os cidadãos, continuam a exercer os atos
que são nossos.
Temos
de ser nós a demonstrar a essencialidade da Profissão! E, sob o meu ponto de
vista, a eficácia dessa demonstração há
de aferir-se pela alteração da imagem que de nós tem a comunidade: temos de
convencer os cidadãos e as empresas de que estão desprotegidos e podem ser
severamente prejudicados em todas as vezes que vão a qualquer instância onde a
justiça se deve fazer sem estarem acompanhados daqueles que têm por vocação
precisamente essa: a de estar ao seu lado…
É
cada vez mais notório que urge alargar a perceção da sociedade de que os
Advogados são parceiros e não adversários dos locais onde a justiça se vai
fazendo, mesmo fora dos tribunais: temos de nos antecipar aos que,
paulatinamente, vão tentando passar a ideia de que não fazemos lá falta e
fazê-los perceber que sem Advogados a justiça será sempre “defeituosa”.
Trabalhar
com centros de arbitragem, com as CPCJs, com os Julgados de Paz, com as
próprias Conservatórias dos Registos e trazê-los a todos (como a nós próprios!)
para a luta pela demonstração dos benefícios de cidadania que os Advogados
trazem ao sistema de Justiça é imperioso. Só daí advirá a crescente
consciencialização da essencialidade da Profissão…
E
nunca serão demais os esforços que façamos para que isso se alcance: campanhas
publicitárias assertivas e que tragam uma linguagem nova à nossa mensagem
dirigida à comunidade; contactos nesse mesmo sentido com as instâncias de poder
formal e informal com quem não devemos ter medo de contactar e de quem exigir
mudanças de comportamento; apelo ao esforço de todos os Advogados para que
sejam porta-vozes dessa nossa mensagem; estas entre outras que em conjunto e em
equipa, espero viremos a definir, porque relevantes para o fim essencial…
E
esse será um primeiro eixo (que anda de mãos dadas com a demonstração das
vantagens da Advocacia Preventiva) sobre o qual nos teremos de debruçar.
O
segundo eixo, sob o meu ponto de vista, será o de definir estratégias de
combate àqueles que, esporádica ou profissionalmente, praticam atos que são
nossos no dia a dia. Essas estratégias terão de ser concertadas entre os vários
órgãos nacionais e regionais da nossa Ordem e partirem de dois pressupostos
quanto a mim importantíssimos: o primeiro, o de que a CDAPA não pode (nem
alguma vez quererá) imiscuir-se nas competências de outros órgãos da Ordem,
nomeadamente dos seus Conselhos Regionais; o segundo, de que urge a definição
conjunta de novos mecanismos de atuação orgânica (nunca supra-orgânica!) especialmente
– mas não só! – naquelas situações que extravasam os limites territoriais de
cada uma dos Conselhos Regionais e acabam por ter, seja porque razão for, uma
abrangência maior que os seus limites territoriais, quantas vezes, até nacional.
O
tempo é de urgência! E estou certo de que todos saberemos que as “capelinhas” a
que cada um deu demasiada importância no passado são causa de dano e não de
vantagem para o coletivo…
O
terceiro eixo – sem dúvida o mais importante, razão pela qual o deixei para o
final desta intervenção – será a definição, uma nova definição do que sejam os
atos próprios da Advocacia.
Esta
é talvez a matéria relativamente à qual entro em funções – e espero que
entremos todos, os agora empossados – com menos “ideias feitas” ou, se se
preferir, com menos certezas.
Sei
(disso estou mesmo seguro) que é à fonte (às várias fontes) da Advocacia – nas
suas diversas formas de exercício e nas suas diferentes formas de estar – que
teremos de ir beber as ideias chave para as propostas que nos cabe apresentar.
E
tenho a forte convicção de que é imperioso que não prescindamos de um
alargamento efetivo do catálogo de quais sejam os Atos Próprios da nossa
Profissão:
- um alargamento, desde logo, quantitativo:
é imperioso que a tutela que é dada aos nossos atos próprios não só não
diminua, como que passe a visar um maior número de intervenções em defesa do cidadão
face ao insuficiente catálogo atual; mas, mais importante,
- um alargamento na qualidade (ou,
talvez mais corretamente, na qualificação) do que sejam os Atos Próprios dos
Advogados; e de uma coisa não podemos prescindir, sob pena de perdermos de vez
a guerra contra os que querem que não sejamos os únicos a ser chamados para
estarmos ao lado do cidadão: há atos que são mais que atos próprios: são atos
que têm de ser exclusivos!
É essa a visão da CDAPA que
o Senhor Bastonário nos desafia a ter. Temos consciência de que o desafio é
enorme. Mas sei que tudo faremos para estar à altura de quem no-lo lançou e da
sua dimensão!
Ao trabalho!»
(12/MAR/2020)
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