Passe a
brincadeira, vou fazer o mesmo que fez o Senhor Desembargador Neto de Moura e vou
afirmar publicamente duas coisas:
1. A justiça de Pelourinho é perigosíssima, por mais que dela se
queiram servir os bem intencionados…
2. A prova disso é o que aconteceu ao infeliz do Jesus, filho de
José há perto de 2000 anos: sem direito a Advogado, foi condenado à morte por
uma opinião pública inflamada contra o que ele ia dizendo e que fugia muito do
que era aceitável para os cânones de então...
Como se vê,
acabei de usar a Bíblia (para mim, não) Sagrada para ilustrar o que penso...
E sim, a
justiça do Pelourinho nunca me foi suficiente ou agradável; pelo contrário,
tenho-a por perigosa, por muito perigosa, até!
E, no caso
do Juiz Desembargador Neto de Moura, creio que é muito isso por que estamos a
passar: uma justiça de Pelourinho.
Se repararmos
bem, não é a qualidade técnica dos acórdãos que o Senhor Desembargador proferiu
que está em causa, mas antes e apenas o facto de eles (rectius, a sua fundamentação) se adequarem ou não aos cânones
vigentes.
Na verdade,
olhando para as muitas decisões do Senhor Desembargador em causa sobre
violência doméstica (já li várias e já usei uma ou outra para justificar o
pedido de condenação que não tinha ocorrido em primeira instância), não vejo no
Magistrado em questão um defensor de uma menor penalização do respetivo
cometimento ou a respetiva eliminação do "catálogo". Pelo contrário,
encontro um magistrado que, como eu, considera o crime de violência doméstica um
dos crimes mais abjetos de entre os que estão tipificados.
Olhando
para as decisões que tomou, deparo-me com um juiz que sistematicamente aplica a
lei como o legislador a fez (esta última, a da pulseira eletrónica não
consentida nem fundamentada, então, é de bradar aos céus: não podia mesmo ser
diferente a decisão!) posto no Pelourinho por ter fundamentado de uma maneira
contra a corrente a mesma decisão que qualquer Colega seu na Relação do Porto
teria de tomar, mas que – às tantas, fosse pelo que fosse – fundamentaria de
forma mais “alinhada” com o que se tem por aceitável.
Detestando
(como detesto!) a justiça de Pelourinho, desculpar-me-ão os poucos que me lerão
estas linhas, mas vou preferir usar este meu texto para tentar conduzir a
discussão para ela onde deveria (sob o meu ponto de vista) interessar a Advogados
e Magistrados.
Esses, pelo
menos os preocupados em não em dar corpo e chama a populismos e demagogias – em alguns
casos, marcada e tristemente eleitoralistas – terão de se posicionar ao lado do
Estado de Direito Democrático e dos inalienáveis direitos das vítimas (e, já
agora, dos arguidos).
O que quero
dizer com isto? Simples: basta que pensemos que nada disto se passaria se não
tivesse acontecido, paulatina mas insistentemente, por via da lei e/ou por via
da jurisprudência, uma restrição crescente do direito de recurso em matéria penal,
que foi fazendo dos tribunais que deveriam ser de primeiro recurso tribunais de
único recurso.
Um sistema
que permitisse (potenciasse até) a possibilidade de interposição de recurso
deste tipo de crimes perante o Supremo Tribunal de Justiça – defendo há muito
que todos os crimes violentos contra pessoas deveriam poder lá chegar – faria
muito mais pela consciencialização dos direitos (e deveres!) de vítimas e
arguidos do que pedir a cabeça de um magistrado…
Infelizmente,
o Pelourinho (e os seus perigos) vai prevalecendo… e, com ele, vai-se dificultando
o que, de facto, seria bom para todos…