segunda-feira, 4 de março de 2019

"Justiça" de Pelourinho e o "caso" Neto de Moura...

Passe a brincadeira, vou fazer o mesmo que fez o Senhor Desembargador Neto de Moura e vou afirmar publicamente duas coisas:
1. A justiça de Pelourinho é perigosíssima, por mais que dela se queiram servir os bem intencionados… 
2. A prova disso é o que aconteceu ao infeliz do Jesus, filho de José há perto de 2000 anos: sem direito a Advogado, foi condenado à morte por uma opinião pública inflamada contra o que ele ia dizendo e que fugia muito do que era aceitável para os cânones de então...
Como se vê, acabei de usar a Bíblia (para mim, não) Sagrada para ilustrar o que penso...
E sim, a justiça do Pelourinho nunca me foi suficiente ou agradável; pelo contrário, tenho-a por perigosa, por muito perigosa, até!
E, no caso do Juiz Desembargador Neto de Moura, creio que é muito isso por que estamos a passar: uma justiça de Pelourinho.
Se repararmos bem, não é a qualidade técnica dos acórdãos que o Senhor Desembargador proferiu que está em causa, mas antes e apenas o facto de eles (rectius, a sua fundamentação) se adequarem ou não aos cânones vigentes.
Na verdade, olhando para as muitas decisões do Senhor Desembargador em causa sobre violência doméstica (já li várias e já usei uma ou outra para justificar o pedido de condenação que não tinha ocorrido em primeira instância), não vejo no Magistrado em questão um defensor de uma menor penalização do respetivo cometimento ou a respetiva eliminação do "catálogo". Pelo contrário, encontro um magistrado que, como eu, considera o crime de violência doméstica um dos crimes mais abjetos de entre os que estão tipificados.
Olhando para as decisões que tomou, deparo-me com um juiz que sistematicamente aplica a lei como o legislador a fez (esta última, a da pulseira eletrónica não consentida nem fundamentada, então, é de bradar aos céus: não podia mesmo ser diferente a decisão!) posto no Pelourinho por ter fundamentado de uma maneira contra a corrente a mesma decisão que qualquer Colega seu na Relação do Porto teria de tomar, mas que – às tantas, fosse pelo que fosse – fundamentaria de forma mais “alinhada” com o que se tem por aceitável.
 
Detestando (como detesto!) a justiça de Pelourinho, desculpar-me-ão os poucos que me lerão estas linhas, mas vou preferir usar este meu texto para tentar conduzir a discussão para ela onde deveria (sob o meu ponto de vista) interessar a Advogados e Magistrados.
Esses, pelo menos os preocupados em não em dar corpo e chama a populismos e demagogias – em alguns casos, marcada e tristemente eleitoralistas – terão de se posicionar ao lado do Estado de Direito Democrático e dos inalienáveis direitos das vítimas (e, já agora, dos arguidos).
 
O que quero dizer com isto? Simples: basta que pensemos que nada disto se passaria se não tivesse acontecido, paulatina mas insistentemente, por via da lei e/ou por via da jurisprudência, uma restrição crescente do direito de recurso em matéria penal, que foi fazendo dos tribunais que deveriam ser de primeiro recurso tribunais de único recurso.
Um sistema que permitisse (potenciasse até) a possibilidade de interposição de recurso deste tipo de crimes perante o Supremo Tribunal de Justiça – defendo há muito que todos os crimes violentos contra pessoas deveriam poder lá chegar – faria muito mais pela consciencialização dos direitos (e deveres!) de vítimas e arguidos do que pedir a cabeça de um magistrado…
Infelizmente, o Pelourinho (e os seus perigos) vai prevalecendo… e, com ele, vai-se dificultando o que, de facto, seria bom para todos…