sábado, 27 de fevereiro de 2016

CARTA A UM AMIGO INDIGNADO

Meu caro Amigo, 
Li, num espaço cibernético qualquer, daqueles que frequentamos, a tua reação ao lamentável cartaz online do BE que fez uso da imagem icónica do fundador da tua Igreja para festejar a adoção por casais do mesmo sexo.
E vi o acinte com que o fizeste, levando para a religião algo que é secular, quanto a mim, infelizmente (embora, naturalmente, não tenhas sido o único, porque a secularização é algo de que ainda poucos conseguiram libertar-se)...
Antes do mais, deixa-me que te diga que repudio a ação do BE, que preferia que não tivesse sido levada a cabo. Tendo, nesse particular a secundar a opinião da Deputada Marisa Matias.
Como sabes, não sou crente, considerando mesmo que a minha característica de incréu é uma das que mais me impulsiona no meu dia e o que nele faço. 
Mas, do tempo em que vivi essa coisa deliciosa que é a fé, ficaram-me para a vida os ensinamentos de cariz ético, ético-filosófico e ético-sociológico. Os do Nazareno, pelo menos.
Um deles (um dos que mais faço uso) é o de que "a César o que é de César; a Deus o que é de Deus". E, dele, tiro duas consequências: abomino quando vejo a secularidade a usar a religião para a sua ação política e abomino (nem mais nem menos: abomino) quando vejo a religião a usar a espiritualidade para fazer política.
Ambos os comportamentos deveriam estar vedados a ambos os lados (e, por favor, entende lados como partes do mesmo e não como opositores).
O que o BE fez foi execrável? Foi!! Mas tê-lo-á sido menos do que o que tantos curas fazem, de cima dos seus púlpitos de espiritualidade ao chamarem assassinos aos que defendem a não criminalização da IVG (e repara que falei da criminalização precisamente para demonstrar a intromissão na esfera do século, pois só à secularidade - democrática - pode caber a definição do que é ou não é punível criminalmente)? Nem menos nem mais: igualmente!
O que o BE fez foi desrespeitoso? Foi! E foi-o abjetamente!!
Justifica um discurso político de uma agregação de chefes religiosos através de um seu alto representante, indo além da condenação espiritual e entrando (aliás, como fazes também) no campo que é de César? Creio que não - creio, aliás, que nada justifica!
Como não (se) justifica coisas como apelo ao voto descarado em Domingo de eleições em determinados partidos, a partir do púlpito, o que já ouvi numa Sé Episcopal.
Como não (se) justifica que hajam alas de determinadas religiões em parlamentos nacionais (o Brasil será o mais evidente, mas outros há).
Como não justifica o ataque que alguns, pela via do secular (porque o maus exemplo do nazismo não se extinguiram no mundo) ou pela via da religião (basta ver o que passam os cristãos na Síria), fizeram ou fazem à possibilidade de cada um viver a sua espiritualidade própria, como se isso não fosse um seu direito essencial e inalienável.
A minha crítica ao Bloco de Esquerda é mera e absolutamente secular: não se usa uma figura da religião (seja ela qual for) para se fazer política.
O apontamento que te faço, curiosamente, é igual: não se deve usar a religião para fazer política...
Por isso, se me permites o abuso, peco-te que lutemos lado a lado para efetivar (eu no secular, apenas - e por falta da fé - tu nas duas bandas do seres humano) esse ensinamento do teu Deus que há mais de 2000 anos deveria estar enraizado (afinal, foi o próprio Yeshua que o determinou): "a César o que é de César; a Deus o que é de Deus".
Creio que muito mais bonitamente poderemos ser eu incréu, tu crente... e, na verdade, nem um nem outro (eu por outra coisa, tu por fé) queremos outra coisa, viver bonitamente...
Um enorme abraço deste que, admirando-te e admirando-a sempre (apesar de a não ter), há de lutar em todos os momentos para que possas viver como entenderes a tua fé, a tua espiritualidade... nem que seja porque só assim assegurarei liberdade à minha secularidade...



terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

PORQUE SOU ADVOGADO: NÃO SEI CALAR-ME PERANTE INJUSTIÇAS!

Dei por mim perante a seguinte deliberação (pelos vistos, unânime) do Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados Portugueses (sic): “Assim, nos termos acima expostos e ao abrigo das disposições dos artigos 55º, nº 1, als. d) e e), 91º, al. e), ambos do Estatuto da Ordem dos Advogados, o Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados delibera, por unanimidade, que não serão prestados quaisquer serviços da sua competência aos Colegas que, à data em que requerem a prestação de qualquer serviço, estejam em atraso no pagamento das quotas devidas à Ordem dos Advogados por um período superior a dois meses (duas quotas).”
Parto do seguinte ponto (para mim, estruturante): o não pagamento de quotas é grave e implica prejuízos para todos os advogados que as pagam, por duas vias: a) a da concorrência (desleal) que pode ser feita por quem não paga quotas – e CPAS, já agora! – relativamente àqueles que têm as sua obrigações em dia; b) a da dificultação da atividade da Ordem dos Advogados Portugueses, por diminuição das suas receitas, apesar de se manterem as despesas, tendencialmente crescentes. É também por isso que, desde sempre, optei por pagar anual e antecipadamente as minhas quotizações.
Mas isso pode implicar que haja advogados a quem seja vedado o acesso aos serviços da Ordem dos Advogados Portugueses? A situação de um advogado estar em situação de não pagamento de quotas pode implicar que as atribuições da Ordem dos Advogados Portugueses – ao nível regional – possam ser passadas para segundo plano? Usando uma expressão que ficou célebre há uns meses, “lembra ao careca” que haja quem entenda que os interesses patrimoniais da Ordem dos Advogados sejam mais relevantes que os interesses do Estado de Direito Democrático que, precisamente a Ordem dos Advogados Portugueses deve prosseguir?
A deliberação diz o seguinte: “o Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados delibera, por unanimidade, que não serão prestados quaisquer serviços da sua competência aos Colegas que, à data em que requerem a prestação de qualquer serviço, estejam em atraso no pagamento das quotas devidas à Ordem dos Advogados por um período superior a dois meses (duas quotas)”.
Isto quer dizer que o Conselho Regional do Porto e a sua Presidente se recusará, se acontecer que o advogado tenha mais que duas quotas em atraso a, entre outras:
a)      Pronunciar-se sobre as questões de caráter profissional (cfr. alínea f) do artigo 54º do EOA), se tal pronúncia tiver sido solicitada por advogado com mais de duas quotas em atraso;
b)      Promover a formação inicial e contínua dos advogados (…), designadamente organizando conferências e sessões de estudo (cfr. alínea h) do artigo 54º do EOA), sendo de prever que seja barrado o acesso de advogados que tenham mais de duas quotas em atraso a tais ações organizadas ou patrocinadas pelo Conselho Regional do Porto;
c)       Nomear advogado ao interessado que lho solicite por não encontrar quem aceite voluntariamente o seu patrocínio (cfr. alínea o) do artigo 54º do EOA), sendo de imaginar que esse passa a ter uma cédula profissional diferente da dos demais advogados e que, por isso, perde a qualificação para que seja nomeado;
d)      Autorizar a revelação de factos abrangidos pelo dever de guardar sigilo profissional, quando tal lhe seja requerido (cfr. alínea l) do artigo 55º do EOA), o que poderá fazer com que alguns processos judiciais possam ficar “parados” à espera que um advogado pague quotas à OA; e, para terminarmos os exemplos, porque muitos outros seriam,
e)      Decidir sobre os pedidos de escusa e dispensa de patrocínio oficioso, apresentados pelos advogados (…) (cfr. alínea m) do artigo 55º do EOA), o que vale por dizer que haverá cidadãos que estarão no limbo de terem ou não terem defensor ou patrono porque o Conselho Regional do Porto deliberou que não presta serviços a advogados com mais de duas quotas em atraso!;
O artigo 3º do EOA é claro ao considerar todos os seus itens como obrigações estatutárias de todos os órgãos de governo da OA, atrevendo-me eu a pensar (desde sempre) que quanto maior é a proximidade de cada um desses órgãos relativamente aos advogados e aos cidadãos, maior pertinência tem que analisemos as obrigações da OA como obrigações de cidadania e de realização plena do Estado de Direito Democrático.
O “topete” do Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados é tal que se permite deliberar o seguinte: “Verificada esta situação, os serviços administrativos deverão notificar os advogados em questão de que deverão proceder à regularização do pagamento das quotas, no prazo máximo de oito dias, sob pena de, ao abrigo da presente deliberação, não ser prestado o serviço em questão.”.
Tomemos o exemplo do pedido de escusa ou dispensa de patrocínio oficioso: o Conselho Regional do Porto e a sua Presidente entendem que um cidadão pode esperar para que esse pedido seja apreciado (além do tempo que tem de demorar – e que seria bom, em alguns casos que fosse menos!) mais 8 (oito) dias. Ora, porque, juntando correio e afins, isso significa uns dez ou doze dias, isso quer dizer que o Conselho Regional do Porto e a sua Presidente não veem mal em que um cidadão esteja no limbo, com gravíssimos prejuízos para a concretização de facto do seu direito de acesso à justiça, durante uns quinze dias… porque parece que o importante não é cidadão ou o Estado de Direito; o que parece importar é que o Conselho Regional do Porto tenha dinheirinho em caixa…
Alguém pensou que um advogado pode não pagar as quotas atrasadas e que a sequência será necessariamente que processos (e os cidadãos que eles envolvem) ficarão em suspenso ad aeternum? E que as consequências disso podem ser verdadeiramente perigosas para esses processos, para os cidadãos, para a Ordem e para a Advocacia?
O (novo) Estatuto da Ordem dos Advogados é claro (cfr. artigo 55º, nº 1, alíneas d) e e)) quando constitui o Presidente dos Conselhos Regionais nas obrigações de zelar pelo cumprimento da legislação respeitante à Ordem dos Advogados e de promover a cobrança de receitas do Conselho Regional.
O Estatuto é também claro ao definir como obrigação deontológica dos advogados o pagamento de quotas – cfr. artigo 91º, alínea e) do EOA.
Nem se optou pela cobrança, nem pela promoção da sanção do incumprimento de dever deontológico: a opção foi pela desproteção do advogado (ainda para mais, ao fim de dois meses – o que ainda mais torna esta deliberação incompreensível, num momento em que todos sabemos que a advocacia passa por terríveis dificuldades económicas), desproteção do cidadão, desprestígio da Ordem dos Advogados Portugueses, por impedimento da prossecução das suas tarefas essenciais!
Da minha parte, recuso-me a dar cumprimento a esta deliberação (a esta aberração) aprovada por unanimidade pelo Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados.
Não tanto porque possa ser manifestamente ilegal (e salta à vista que, mais que não seja por falta de norma habilitante, o é)! Essencialmente, porque para mim, não há um advogado diferente de nenhum outro: enquanto tiverem a mesma cédula que eu tenho (e só poderão deixar de ter por opção própria ou por decisão do competente órgão disciplinar), recuso-me a estabelecer diferenças que não podem existir, por princípio, porque o EOA as proíbe, porque a ética as impede!
Ainda para mais quando é tomada por um Conselho Regional que anda, há anos, a privar as Delegações de verbas que lhes cabem, em total ilegalidade e falta de cumprimento do mais básico das regras (mas isso não cabe aqui: alhos são alhos, bugalhos são bugalhos e hoje é tempo de “alhos”, infelizmente).

domingo, 21 de fevereiro de 2016

Um pouco mais de mim...

  INOCÊNCIA
  


  Ali era “o Verde”.
  Era assim que o chamávamos,
  Mesmo quando já era
  Um chão agreste
  Coberto de folhas que morriam
  E que, já mortas,
  Iam tomando novas cores:
  Acastanhadas algumas,
  Outras um tom amarelo
  Carregado, outras ainda
  Aquela cor avermelhada
  Que as folhas das parreiras
  Tomam quando passa
  O tempo do vinho.

  Era o nosso “Verde”.
  Era o espaço do carinho.
  O espaço em que sentíamos
  Que a inevitável desgraça
  Do passar do tempo
  Não sabia acontecer
  (porque era o tempo do carinho
  E no tempo do carinho
  Nem um segundo se perde!).

  O nosso verde era um campo
  De batalha em que os soldados
  Eram os dedos
  E os generais eram os sonhos
  E as maiores batalhas
  Se ganhavam quando os botões
  Saltavam das casas que os prendiam
  E a liberdade se convertia
  Em descoberta e se fazia
  Encanto e deslumbramento
  À vista do teu peito
  Despido de idade.
   
  Era onde os teus dedos
  Percorriam os meus dedos
  Cientes – como os meus! –
  De que só entrelaçados
  Faziam sentido.
   
  E era onde os lábios (enganados
  Do desejo) se encontravam
  E faziam do tempo perdido
  O tempo do fim dos medos!
   
  Custa a crer que tenha sido
  Ali que cometemos o pecado
  De nos deixarmos murchar
  Um do outro…

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

domingo, 14 de fevereiro de 2016

Discordando se avança...

Gosto que me mandem calar quando têm razão para isso...
Li este texto do MEC e a verdade é que dei por mim, perante a leitura dele, a pensar na razão que me leva tantas vezes a referir os dois géneros em situações como a que o autor descreve (a típica fórmula do "minhas senhoras e meus senhores" é disso exemplo acabado e confesso que a uso habitualmente!).
E, se dei por mim a pensar que a regra da língua manda que se use o plural no masculino, também me quis parecer que o pleonasmo não faz mal a ninguém e até dá um certo melhoramento ao que possamos estar a escrever ou a dizer, na análise da questão do género.
Perguntei-me se estaria a desconsiderar o género feminino, ao repeti-lo (como diz o autor).
E concluí (não sei se acertada se erradamente) que não.
Não me parece que me converta em machista por respeitar as senhoras a quem me dirijo com um trato diferenciador, demonstrador de coisas como respeito, como reconhecimento e desejo da sua presença.
Eu não sou machista pelo facto de dar prioridade a uma senhora na passagem de uma porta; nem quando subo uma escada à sua frente ou caminho do lado de fora do passeio; nem quando tento que tenha a mesma oportunidade laboral ou social que temos os do género masculino.
Pelo contrário, quer-me parecer.
Claro que tudo aquilo que descrevi – e também dizer "senhoras e senhores", "portugueses e portuguesas"! – não me impede o meu confessado feminismo.
E ainda bem, porque quero continuar a fazer todas as coisas que acima relatei sem peso na consciência... 
Por isso, desta vez o senhor MEC fará o favor de perceber que não respeitarei o seu desejo de que me cale: não creio que tenha razão e preferirei a minha “visão da coisa”…
Mas isso não me dispensa de pensar que há quem veja machismo em tudo o que escrevi e que pratico por educação e gosto; que há quem pense que é por superioridade que subo as escadas à frente ou que nem sempre digo "minhas senhoras e meus senhores" (porque de vez em quando digo "meus senhores e minhas senhoras") por entender que não devo colocar diferença onde a diferença não existe.
E isso fez-me lembrar de que um dia destes tenho de dedicar algum tempo a escrever sobre essa aberração sócio-patológica que crescentemente abomino que é o "fêmismo".
Mas hoje ainda não é um dia destes…