domingo, 18 de agosto de 2019

LEI Nº 63/2019, DE 16 DE AGOSTO: UM ATAQUE OU UMA OPORTUNIDADE PARA A ADVOCACIA?


LEI Nº 63/2019, DE 16 DE AGOSTO: UM ATAQUE OU UMA OPORTUNIDADE PARA A ADVOCACIA?

Foi recentemente publicada a Lei nº 63/2019, de 16 deagosto, alterando um único artigo da chamada “Lei de Defesa do Consumidor”, o artigo 14º, que, assim, passa a sujeitar à arbitragem necessária os conflitos de consumo de valor inferior a € 5.000,00 quando essa seja a vontade do consumidor e obriga à informação de que este pode ser representado por Advogado nesse litígio, se necessário, com recurso ao apoio judiciário.
Algumas alterações decorrentes da lei parecem-me perniciosas: à cabeça, a chamada de quem não tem vocação para representar cidadãos em Juízo a essa representação; mas, não menos, a circunstância de cair no texto novo da lei um fator essencial a que os consumidores pudessem continuar a  preferir esta modalidade de acesso à justiça, a saber, a isenção de custas em caso de ganho – total ou parcial – de causa. Num caso e noutro, revela-se mais uma vez uma propensão do Estado para pensar menos no cidadão que no sistema quando legisla sobre o Justiça em Portugal, coisa que não deixa de ser preocupante.
Mas a verdade é que esta lei traz uma alteração radical na forma como o cidadão consumidor se relaciona com os Tribunais: o texto é claro e a arbitragem passa a ser obrigatória quando o consumidor assim a deseje e desde que o conflito não ultrapasse o valor de € 5.000,00.
É aqui que reside a razão de ser destas linhas: esta nova redação da Lei de Defesa do Consumidor pode ser vista ou como um ataque à Advocacia ou como uma oportunidade para a Advocacia.
Confesso desde já que a vejo como uma oportunidade.
Passe a comparação, há anos, fiz finca-pé para que a Ordem dos Advogados desse formação presencial aos Colegas numa matéria relativamente à qual havia uma desconfiança enorme (a dos chamados Atos Notariais dos Advogados). E, se essa desconfiança advinha principalmente de uma velha máxima, muito própria dos que estão habituados a que o mundo lhes venha ter ao colo,  de que não se pode mudar o que está, eu sempre entendi que esses atos (principalmente, os de titulação de negócios jurídicos) tinham de ser vistos como uma oportunidade para a Advocacia, principalmente para a Advocacia mais jovem.
A minha “guerra” com quem desconfiava dessa oportunidade levou-me, juntamente com a minha Amiga Márcia Lemos e no âmbito do (inexplicavelmente!) extinto IAPI – Instituto dos Advogados em Prática Individual, num percurso pelo país todo em que, em bem perto de quarenta ações de formação, conseguimos (numa iniciativa inédita na OA: a de tratar por igual os Advogados de todo o país, já que as levámos em todas as Comarcas, incluindo as dos Açores e da Madeira) ficar com a sensação de que muitos haviam compreendido aquela área nova de intervenção dos Advogados como nós a entendíamos: uma oportunidade para a Advocacia (a mais jovem, à cabeça) criar e manter o que mais importa para que se possa subsistir como Advogado, uma clientela.
A páginas tantas, já acabado o mandato nesse IAPI, fomos contactados muitos Colegas que nos diziam ter conseguido dessa forma aumentar o leque dos serviços que proporcionavam aos clientes. Mas o que nos deu mesmo gozo foi ouvir jovens Colegas a dizer-nos que, por terem agarrado essa oportunidade, tinham até conseguido ter por clientes os próprios Advogados mais velhos das suas cidades e vilas que, percebendo que poderiam praticar a titulação de negócios jurídicos nos seus próprios escritórios recorrendo aos serviços daqueles mais novos, estabeleceram com eles parcerias que permitiram a uns e outros aumentar o leque dos seus serviços e fizeram com que os cidadãos não “fugissem” para os braços de outras profissões jurídicas, como vemos acontecer em tantos casos.
E é exatamente por isso que digo que esta nova visão da Lei tem de ser agarrada pela Advocacia não como um ataque, mas como uma oportunidade.
É a própria lei que dá o mote, ao exigir que o consumidor seja informado de que pode recorrer à Advocacia para o acompanhar na resolução daquele seu litígio. E todos sabemos que não só pode, como deve (!) existir esse acompanhamento: se o fornecedor seguramente vai aparecer com o seu Advogado quer para a mediação quer para a arbitragem, só quando o consumidor estiver acompanhado do seu Advogado se poderá dizer que existe o que tem sempre de existir para que haja Justiça: igualdade entre as partes.
Por outro lado, as custas habitualmente praticadas nos Meios Alternativos de Resolução de Litígios em matéria de consumo são, via de regra, substancialmente mais “em conta” que os que resulta para o cidadão do recurso aos Tribunais. 
Ainda há a considerar o facto de esses meios RAL serem, também em via de regra (pela sua informalidade e por terem muito menos processos para tratar), mais rápidos na resolução do litígio e necessitam de um menor dispêndio de tempo por parte dos Advogados no respetivo acompanhamento. Isso, em princípio, tenderá a fazer menos elevados os honorários a cobrar ao cidadão.
Ou seja, cai por terra a desculpa que o Estado foi dando aos cidadãos para não recorrem a um Advogado (também) nestas matérias do consumo. Já não é tão fácil dizer que as custas do processo a pagar ao Estado e os honorários a pagar ao Advogado, no seu conjunto, são incomportáveis para muitos.
E é aqui que me parece que surge a “oportunidade”! Os Advogados – repito, os mais jovens à cabeça – necessitam de criar e manter uma clientela para poderem subsistir na profissão. E essa clientela pode muito bem surgir, fidelizar-se e alargar-se até se, complementarmente aos demais atos a que estamos habituados, soubermos perceber os meios de resolução alternativa de conflitos como exatamente isso: uma oportunidade!
É claro que, para isso, vai ser necessário mudar de mentalidade e de paradigma: temos, cada um de nós, de perder o medo desses meios de realização da justiça e, anteciparmo-nos aos que, paulatinamente, vão tentando passar a ideia de que não fazemos lá falta, fazendo-os perceber que, pelo contrário, sem Advogados a justiça será sempre “defeituosa”.
Implicará também mudanças ao nível da nossa Ordem: a nossa “casa” tem de aprender a trabalhar com estes meios RAL e alertá-los a todos (como a nós próprios) para os benefícios de cidadania que os Advogados trazem ao sistema de justiça será, seguramente, vantajoso para todos.
Não adianta continuarmos a fazer como a avestruz e, com a cabeça enterrada na areia, fazermos de conta que não estamos a ser prejudicados por não nos permitirem ser parceiros nesses sítios onde fazemos efetivamente falta.
Vai dar trabalho? Claro que vai! Mas eu continuo a achar que não podemos perder esta verdadeira oportunidade…