terça-feira, 16 de julho de 2019

REFLETINDO SOBRE A ADVOCACIA (A PROPÓSITO DAS FÉRIAS JUDICIAIS)...


Sejamos claros, a propósito desta notícia:
Há anos que se vem perdendo o espírito de solidariedade que, sentida e vivida por Advogados, Magistrados, Procuradores e Funcionários Judiciais, ia unindo todos os que trabalham nos tribunais.
Isso não explica, porém, que esta ideia peregrina de acabar com as férias judiciais surja neste momento, quando era impensável há oito ou dez anos atrás.
A explicação cabal para esta ideia peregrina resulta, sob o meu ponto de vista, de duas circunstâncias indissociáveis: 
- a primeira, a de a classe ter perdido representatividade e prestígio nos últimos anos, o que o Expresso muito bem demonstra,ao ter falado com Juízes e Funcionários, mas não com um Advogado - indo ao ponto de ignorar os que o deveriam representar);
- a segunda, a de os diversos poderes (político, económico, até o da comunicação social) se terem apercebido de que a divisão na Advocacia é tal, neste momento, que dificilmente teríamos força para combater uma aberração destas, se ela viesse a ser proposta: 
a) os que vivem do trabalho (mal) assalariado dos seus pares (infelizmente, os mais jovens sofrem tremenda e crescentemente com isso, neste momento com o beneplácito dos órgãos nacionais e regionais da OA) não se importariam: seguramente teriam quem assegurasse todo o trabalho em julho e agosto se ele viesse a ter de existir; e, às tantas, vendo aí uma oportunidade de ainda mais apoucar a Advocacia em prática Individual (muitas vezes prática isolada), até aplaudiriam, pensando ser "mercado" a explorar;
b) os que trabalham no contexto de empresa acabariam por ter o mesmo raciocínio, uma vez que estão habituados a férias nos meses de julho e agosto e colheriam muito (nem que seja nos preços agradáveis das épocas baixas) se isso acontecesse;
c) os que seriam as verdadeiras vítimas de um massacre destes (os que, como eu, exercem em prática individual) teriam o problema de saberem que, não tendo quem por eles lutasse, nos órgãos nacionais e regionais da OA, seguramente teriam de confrontar-se com a falta de apoio também de si próprios, uma vez que, apertados com contas para pagar, muitos até achariam muito bem que assim fosse: mais trabalho sobraria em julho e agosto...

É por isso que tenho insistido tanto na tónica de ser imperioso mudarmos de paradigma e, ao nível dos órgãos da OA (nacionais e regionais), retomarmos a sã tradição de tudo fazer para que os Advogados sejam, de facto, em tudo iguais:
- os jovens não podem continuar a ser a fonte de mão de obra (super-preparada mas) mal paga que têm sido; é preciso criar condições para que passem a ter os mesmos direitos que todos os seus pares, à cabeça o direito à (sua própria) clientela!
- os que exercem em prática individual têm de merecer dos seus pares e dos órgãos (nacionais e regionais) da OA uma defesa intransigente dos seus interesses e prerrogativas, não por si e por representarem a percentagem maior entre os que exercem a profissão, mas para que nenhum Advogado se sinta empurrado para a situação de ser "empregado de um advogado" (e, aqui, voltamos aos jovens, principais vítimas desse flagelo) pelo facto de não terem da sua Ordem um trabalho efetivo em prol do essencial: garantir a todos os Advogados o direito à sua própria clientela.

Não tenho dúvidas de que quando os Advogados se sentirem iguais e não se diferenciarem (nem se deixarem diferenciar) artificialmente, não haverá por onde os poderes instalados os tentarem distinguir...

O mal é que quem deveria fazer tudo para que essa igualdade regressasse (e até se acentuasse) quase sempre parece trabalhar para que ela não apareça; mais, para que ela vá até desaparecendo...

Neste, como em tantos aspetos, é necessário um novo paradigma!