quarta-feira, 20 de abril de 2022

Porque as palavras (mais que não seja no que escondem mas dizem!) contam...

Uma das coisas que me tem feito uma confusão tremenda, nos últimos tempos da nossa vida em comunidade, é a facilidade com que comentadores da nossa praça (e, atrás deles – como se tem feito hábito, triste hábito – os políticos) vêm implantando a expressão “democracia liberal” no nosso dia a dia de discussão sobre a res publica.

Obviamente, não desconheço as origens da expressão e toda a história que está por detrás dela... a questão sobre a qual, hoje, me parece interessante refletir é sobre se o conceito é necessário e/ou tão neutro como muitos querem fazer crer. 

Motiva-me refletir sobre a tal moda de chamar "liberal" à Democracia a perceção de que o termo "voltou ao léxico" dos comentadores porque deixa passar – erradamente, quer-me parecer – a ideia de que um modelo liberal se contrapõe, quando falamos de Democracia, a outros modelos, nomeadamente os que baseiam a sua visão política na visão socialista (rectius, social democrata) em que se foi baseando a construção do modelo (social) europeu. 

E, sejamos claros, dá muito jeito a partidos do escopo liberal/radical liberal que temos que assim seja... Importa a alguns contrapor a Democracia já não tanto aos modelos autoritaristas de que Ela está nos antípodas, mas mais a modelos baseados na lógica de Estado de Direito Social, garante do Bem Comum que se quer passar a imagem de ser "castrador" e, por isso, perigoso.    

E, retomando a reflexão, a expressão é, nos dias que correm, profundamente desnecessária: desculpar-me-ão o meu radicalismo (naquele sentido que radical poder ter: o de não sair das origens), mas a Democracia é Democracia. Ponto! 

E está percebida pela comunidade como o que é: um sistema que nos defende do mais execrável que pode ter o ser humano: a tendência para o poder e a tendência para os autoritarismos (para o ser e para o deixar ser ). 

Aliás, é bom que não confundamos as coisas, insistindo artificialmente em chamar democracia à denominada “democratura” (ou “democracia guiada”). A comunidade já não precisa de "adoçantes" para chamar às ditaduras disfarçadas outra coisa que o que são: ditaduras!

Retiremos, pois, qualificações ao que as dispensa… E a Democracia não carece que a adjetivem: ou é ou não é”! (quando muito, a ser preciso - e não creio que seja! - adjetivá-la, use-se o epíteto de "constitucional": ensina muito mais sobre o que Ela deve ser...).

E, já agora (já que, acima, falei de neutralidade), não esqueçamos de algo (que passou desapercebido a muitos na noite eleitoral de 30 de janeiro último, mas que convém recordar sempre): a expressão do líder do partido IL que dizia que “[vão] continuar a doutrinar” até que o liberalismo se imponha…

Que eles queiram – num querer que é talvez tudo menos Democrático – continuar a doutrinar, é lá com eles; que quem tem a obrigação de lutar todos os dias pela Democracia que a nossa Constituição e a nossa intervenção no Projeto Europeu nos proporcionaram e garantem conviva bem com essa doutrinação (a proteja, até, em silêncios cúmplices e pronúncias irrefletidas), isso é que já me parece um erro. 

E um erro perigoso; daqueles que pode deitar abaixo uma Democracia...

segunda-feira, 11 de abril de 2022

Repensar um mundo em que vale mais o "do contra" que o "a favor"...


 

Não me espanta a ascensão da candidata da extrema-direita em França.

O contexto internacional é-lhe favorável, com um crescimento há muito anunciado dos movimentos daquela natureza um pouco por todo o mundo e (por que haveria de ser diferente?) também na Europa.

A França desdobrou-se, nos últimos anos (e, por ventura, renegando-se), num jogo de “ricos e pobres” em que nem uns nem outros se sentem satisfeitos (ou, pior, representados) pelo poder existente.

E passou a ser no cidadão que procura respostas no “mouvement des gilets jaunes” que muitas das alterações de mentalidade se fizeram: os franceses sabem protestar e têm no protesto cívico uma arma de há muitos anos. Porém, se sempre vi esse protesto como gizando a defesa da comunidade e como instrumento de procura do bem comum (muito mais enfocado nos ganhos para a comunidade do que no ganho para o seu próprio pequeno mundo), de há uns anos a esta parte verifico que o protesto é sucessiva e crescentemente voltado para o “egoísmo” de quem protesta e para a visão de que melhorar a condição de si próprio importa mais do que melhorar a condição de vida da comunidade como um todo.

E talvez esteja aqui o foco do problema maior com que Europa se defronta no próximo dia 24 de abril (não, não é apenas a França: é toda a Europa – o projeto Europeu, especialmente o projeto social Europeu, não sobreviverá a uma espécie de Brexit à francesa e é sobre ele que, de há décadas para cá temos assente o nosso sonho de crescimento e bem estar).

A Sra. Le Pen não é o diabo: belzebu para o projeto europeu é o programa político, económico e social que traz consigo, apesar de ter tentado disfarçar a xenofobia e o nacionalismo que o caracterizam com salvíficos anúncios de defesa de uma França maior (onde é que já se ouviu isto, não é?). Cheira a “gato escondido com o rabo de fora”? Claro que cheira! Mas no contexto em que o âmago da discussão se transportou da comunidade para o umbigo, é fácil esse disfarce.

E, se para sermos francos, temos de reconhecer que os principais culpados por isso somos os que andamos a pensar a coisa pública há décadas e nada fizemos para inverter a tendência para que isso acontecesse, não podemos deixar de considerar que há uma franja significativa e poderosa da sociedade que deseja ardentemente o colapso do Estado Social, que considera um entrave ao que é o seu único objetivo (que as “suas” companhias sejam ainda mais lucrativas, para que os seus prémios sejam ainda mais chorudos. Não chegarei ao ponto (ou à estupidez!) de dizer que quem pensa a coisa pública acabou por deixar o Estado na mão de quem quer destruir o Estado de Direito Democrático e Social; mas tenho de reconhecer que o fomos enfraquecendo como tal, preterindo o todo por alguns.

E é por isso que ouvir o derrotado Mélenchon (não apenas ontem: também já antes, durante a campanha) me incomodou tremendamente: nunca foi “pour” (não importa o quê), foi sempre “contre” (contra o Macron, contra a Le Pen, contra, contra, contra)…

Entristeceu-me tremendamente ver um país inteiro (ainda para mais o que nos deu o conceito de “liberte, egalité, fraternité”) envolto num clima de “sou contra”!

Não sei se Macron será capaz de arrepiar caminho e caminhar em direção a algo (lá está, ser “pour”). Mas tenho essa esperança: algum dia haverá de caminhar no sentido de retornar a França ao tempo em que seja na comunidade, no bem comum e no todos importam que se ensaiará o jogo político.

E não, não é por estar contra a Sra. Le Pen que não votaria nela (que diabo estaria eu a fazer se me pusesse a refletir sobre os efeitos do “contra” e, depois, me deixasse cair na falácia de o acabar sendo?).

Se votasse em França, votaria por um sonho de um “a favor”: a favor de uma França europeísta (mais que meramente europeia), de uma França mais igual, mais justa, mais respeitadora de todos, mais integradora… de uma França mais “França”…