Uma das coisas que me tem feito uma confusão tremenda, nos últimos tempos da nossa vida em comunidade, é a facilidade com que comentadores da nossa praça (e, atrás deles – como se tem feito hábito, triste hábito – os políticos) vêm implantando a expressão “democracia liberal” no nosso dia a dia de discussão sobre a res publica.
Obviamente, não desconheço as origens da expressão e toda a história que está por detrás dela... a questão sobre a qual, hoje, me parece interessante refletir é sobre se o conceito é necessário e/ou tão neutro como muitos querem fazer crer.
Motiva-me refletir sobre a tal moda de chamar
"liberal" à Democracia a perceção de que o termo "voltou ao léxico" dos comentadores porque deixa passar – erradamente,
quer-me parecer – a ideia de que um modelo liberal se contrapõe, quando falamos
de Democracia, a outros modelos, nomeadamente os que baseiam a sua visão
política na visão socialista (rectius, social democrata) em que se foi
baseando a construção do modelo (social) europeu.
E, sejamos claros, dá muito jeito a partidos do escopo liberal/radical liberal que temos que assim seja... Importa a alguns contrapor a Democracia já não tanto aos modelos autoritaristas de que Ela está nos antípodas, mas mais a modelos baseados na lógica de Estado de Direito Social, garante do Bem Comum que se quer passar a imagem de ser "castrador" e, por isso, perigoso.
E, retomando a reflexão, a expressão é, nos dias que correm, profundamente desnecessária: desculpar-me-ão o meu radicalismo (naquele sentido que radical poder ter: o de não sair das origens), mas a Democracia é Democracia. Ponto!
E está percebida pela comunidade como o que é: um sistema que nos defende do mais execrável que pode ter o ser humano: a tendência para o poder e a tendência para os autoritarismos (para o ser e para o deixar ser ).
Aliás, é bom que não confundamos as coisas, insistindo artificialmente em chamar democracia à denominada “democratura” (ou “democracia guiada”). A comunidade já não precisa de "adoçantes" para chamar às ditaduras disfarçadas outra coisa que o que são: ditaduras!
Retiremos, pois, qualificações ao que as
dispensa… E a Democracia não carece que a adjetivem: ou é ou não é”! (quando
muito, a ser preciso - e não creio que seja! - adjetivá-la, use-se o epíteto de
"constitucional": ensina muito mais sobre o que Ela deve ser...).
E, já agora (já que, acima, falei de neutralidade), não esqueçamos de
algo (que passou desapercebido a muitos na noite eleitoral de 30 de janeiro último,
mas que convém recordar sempre): a expressão do líder do partido IL que dizia
que “[vão] continuar a doutrinar” até que o liberalismo se imponha…
Que eles queiram – num querer que é talvez tudo menos Democrático – continuar a doutrinar, é lá com eles; que quem tem a obrigação de lutar todos os dias pela Democracia que a nossa Constituição e a nossa intervenção no Projeto Europeu nos proporcionaram e garantem conviva bem com essa doutrinação (a proteja, até, em silêncios cúmplices e pronúncias irrefletidas), isso é que já me parece um erro.
E um erro perigoso; daqueles que pode deitar abaixo uma Democracia...