quarta-feira, 9 de julho de 2025

Autoridade: respeito ou medo... reflexões sobre uns quinze minutos a ver uma operação stop...

 

Pensei muito antes de escrever isto (no final direi porquê), mas a consciência não me permite ficar calado perante o que venho assistindo e que, sob o meu ponto de vista, significa uma mudança na forma de se ser Comunidade e de se estar em Comunidade que, sinceramente, me preocupa muito…

A semana passada, por razões que não vêm aqui ao caso, estive parado no centro do Porto uns bons quinze minutos, ali na rua de Sá da Bandeira, perto da Estação de S. Bento.

Uma carrinha da autoridade e uns oito ou nove agentes dessa autoridade, num aparato (para mim nada necessário e nada bonito de se ver), começavam uma operação “stop”. 

Objetivo (à partida, louvável): o de fiscalizar aqueles que, em scooters e bicicletas elétricas, de mochila verde, amarela ou roxa às costas, dedicam a sua vida a entregar a comida e as compras que vamos encomendado pela internet. 

Realidade:

(a) pessoas com aparência de estrangeiro – e era fácil perceber que o eram, pelas longas barbas, pelo tom de pele, pelo turbante estranhamente a “saltar” do capacete – eram imediatamente mandadas parar; dos que não tinham esse aspeto, a maioria seguia caminho;

(b) àquelas pessoas, a abordagem era quase nunca polida, usava quase sempre o “tu” – ouvi coisas como “estás legal? Se não estás, é melhor dizeres já!” – e pecava, essencialmente por ausência do respeito que (eu, pelo menos, espero) de um agente da autoridade;

(c) aos outros, principalmente os que demonstravam a nacionalidade portuguesa, o tratamento era diferente: o “você” era usado e a aspereza no tom desaparecia;

(d) só se via medo nos olhos dos que aparentavam ser estrangeiros; estavam intimidados e notava-se que estavam a ser intimidados…

A minha cara havia de estar a mostrar o meu espanto (quase a minha revolta) e uma velhotinha simpática, daquelas que se nota que andam na rua também pelo prazer de meter conversa, deve ter notado e disse-me baixinho: “isto agora é quase todos os dias: os monhés estão sempre a ser mandados parar”.

Um bom bocado à conversa e percebi que nem eu nem a senhora sentíamos conforto ou segurança com aquilo.

Entretanto, chegou a filha da senhora, de dentro de um estabelecimento qualquer: ela, sim, dizia que ainda bem que aquela gente era tratada como merecia: “é só pretos e monhés a fazer estas coisas; e brasileiros? São uma praga, senhor!”

Dei por mim a querer sair dali… não tanto pelo que estava a ver, mas porque algo em mim me lembrava que, sendo aquela operação policial seguramente “ordenada superiormente”, a forma como as pessoas eram abordadas não poderia vir de ordens superiores… dei por mim a pensar que aquilo era mau de mais para ser verdade: um agente de autoridade é o primeiro garante da igualdade, do respeito por todos, sem destrinças em função da (aparência de) nacionalidade…

E, se não são, deve haver (tem de haver!) por parte de quem manda a instrução clara de que assim tem de ser…

No fundo, o que me deixou com uma enorme mágoa foi o pensar que aquelas pessoas agiam assim não apenas porque são assim (e não deveriam ser assim ou, pelo menos, não deveria poder ser agentes da autoridade se são assim), mas porque sentem que podem ser assim, já que ninguém acima deles evita – antes potencia – que sejam assim…

E não é dessa “massa” que eu gostaria de ter agentes ou superiores de agentes nas forças que asseguram a nossa segurança como Comunidade.

Porém, o que me doeu mais foi o que pensei a seguir: “ainda bem que ficaste caladinho e não deixaste sequer transparecer o que pensaste: afinal, andas na estrada quase todos os dias e nunca se sabe o que gente que age assim pode fazer…”

Mais que ausência de orgulho em mim mesmo (nunca fui de silêncios perante injustiças), o que agora, ao escrever estas linhas me incomoda é a noção clara de que estou, também eu, a tornar-me vítima de uma sociedade cheia de medo(s) que – triste e indevidamente – estamos a deixar criar…

Acho que mais que ter a sensação de que ninguém guarda os guardas, foi a de que há algo de intencional nisto que me deixou esquisito.

Fiquei com a noção de que há a quem interesse o temor reverencial por quem deveria ser respeitado e não temido, com o intuito claro de ir gerando medo desse “braço armado” de quem efetivamente manda.

É óbvio que o respeito que a autoridade me inspira (que, felizmente, sempre me incutiram e de que não abdico) jamais me permitiria questionar aqueles agentes sobe o que faziam; mas estar calado por ter medo de fazer diferente, em vez de ser o respeito a inspirar o meu silêncio é algo que continua a incomodar-me…


terça-feira, 24 de junho de 2025

Nótulas sobe uma experiência nova (a de votar "nulo")...

 

Fui ler a moção com que José Luís Carneiro se apresenta aos socialistas para ser seu Secretário Geral.

E se, por um lado, tive a vida facilitada – esta coisa de o “aparelho” ter decidido que iríamos ter não uma eleição, mas sim um plebiscito só me deixou uma moção para ler – foi algo penoso perceber ao que esse plebiscito nos vai conduzir…

Primeira coisa que me chamou a atenção: estabilidade. A proposta – a ser cumprida (e não há outro caminho quando se promete que não seja o de cumprir) – deixa o PS nas mãos da direita no poder, prometendo dessa forma fazer os nossos concidadãos perceber que é na estabilidade que se fará o caminho. Por outras palavras, deixa-se ao PPD/PSD a liberdade de governar, para os eleitores perceberem que é ao centro e não à esquerda ou à (extrema) direita que se fará Portugal.

A meu ver, nada mais de errado: o PPD/PSD não é já um partido da social democracia (Passos Coelho, acolitado por Montenegro, há mais de dez anos atrás e, hoje, Montenegro, acolitado pelos Passos Coelho desta vida, levaram o partido de Sá Carneiro para a visão neoliberal que se conhece e que a decência na análise deveria fazer reconhecer – e combater).

A moção peca, pois, por não dizer claramente que é na social democracia que o PS sempre preconizou que se fará o desenvolvimento e a busca da igualdade e do verdadeiro elevador social que tanta falta faz a Portugal, num momento em que saímos cada vez mais (nisso acompanhando o resto do mundo, lamentavelmente) da lógica de que ao Estado cabe criar as condições para que o filho de um pobre não tenha de o ser quando tiver a idade dos pais.

Quando se fala de Justiça, juntando aos lugares comuns (aliás, não só de Justiça: as banalidades e os lugares comuns perpassam toda a moção), comete-se um erro que nos vem saindo caro: não é com corporativismos, mas sim com a negação deles e com o combate férreo contra eles que lá podemos ir: enquanto perdemos tempo com a proteção de quem tem o dever de proteger e não com os que merecem – por direito próprio – a proteção, jamais conseguiremos afirmar a Justiça como valor e necessidade…

A regionalização desaparece da estratégia… e a tristeza é o que me invade quando o constato: os municípios são essenciais, as freguesias são importantes; mas descentralizar do Estado sem que isso passe por um objetivo claro de criação de um contrapoder regional com uma base democrática indelével como seriam as regiões administrativas é a mera afirmação de algo que (passe o termo) verdadeiramente me enoja: o centralismo que é da direita vai tornar-se o do PS; e jamais deveria ser da esquerda democrática que o PS significa.

Falar de (re)organização da atividade partidária sem valorizar os militantes é, a meu ver, vergonhoso. Juntemos a isso alguém que se apresentou na AR a defender a despartidarização da vida pública portuguesa e constata-se que mais não faz que dizer aos que vivem neste país que os Partidos não estão ao serviço deles…

E, sob o meu ponto de vista, é triste verificar que, em vez de dizer que os seus militantes são os mais preparados para servir o país, alguém que se apresenta para dirigir um grande partido como é o PS diga que são dispensáveis no serviço ao país. Não são!

Dissesse que é preciso fazer mais para que só os verdadeiramente preparados e verdadeiramente preocupados com o país poderão ser militantes e, com base nisso e por causa disso, serem servidores do País; dissesse que quem não se filia (no seu pensar e agir) na social democracia não pode ser (ou continuar a ser) militante; dissesse que só esses podem servir o país a partir do PS; dissesse que não há espaço para projetos pessoais na militância no PS. O que me custa é ver que diz – e dizer indiretamente também é dizer – que os militantes do PS são um entrave ao serviço que os serviços públicos devem significar. E isso, francamente, envergonha-me como militante do PS.

Antes do motivo essencial, que retratarei infra com uma imagem: há ausências que me são tremendamente difíceis; e esta é, para mim, imperdoável: em mais de 40 páginas de lugares comuns (próprios de quem sabe que não tem de apresentar projetos que significam escolhas, porque ninguém as vai debater com ele: lá está, é o mundo dos plebiscitos, tão, mas tão piores que as eleições) a palavra essencial a um partido socialista do século XXI não aparece… Falta, definitiva e infelizmente, COMUNIDADE a esta moção.

E isso seria bastante para não me rever nela.

Votei, consciente e livremente, noutra opção para o PS, para o País, para o mundo em 2023.

Não mudei de opinião sobre o que o PS, o país e o mundo devem ser de 2023 para cá.

E não acredito que os mais de 60% de militantes que pensaram como eu tenham deixado de pensar.

Acredito, sim, que estamos coartados da escolha; e coartados da escolha por um “aparelho” que se foi fazendo importante, ao minar e diminuir uma liderança e um projeto da esquerda democrática (nas televisões, nos bastidores, nos “mentideros”, em locais onde a lealdade deveria ter falado mais alto, mas onde não falou – e não esqueçamos que falou, tantas vezes, aos berros, fragilizando o Partido e a sua liderança). Infelizmente, um aparelho que tornou importantes projetos e sonhos pessoais, quando deveria ser farol para que os projetos e os sonhos da Comunidade fossem os que verdadeiramente importam.

Por fim, a imagem: em 2023, quando se debatia projetos para liderança do meu Partido (lá está: havia eleições), o argumento para pedir o voto do agora plebiscitado futuro Secretário Geral era o que a imagem demonstra…

E quem se afirmava (não pela força do seu projeto, mas) pela pseudo força da sua imagem não me serviu (aliás, por princípio, não me serviria)…

Hoje, franca e tristemente, também não me serve…

Resultado: pela primeira vez na minha vida, vou votar nulo. E, se é com tristeza que o admito (especialmente porque o farei num ato no contexto do meu partido), é com a certeza de que farei o certo que o farei: não troco consciência, valores e princípios por nada. Muito menos por um plebiscito que os enterrará!