O meu dia de aniversário seria dai a uns dias…Hoje, sem orgulho, confesso que aquele puto de quinze anos que eu era sentiu uma inveja tremenda daqueles tipos que eu não sabia exatamente quem eram, e que, no dia 11 de março de 1992, fizeram chegar ao Portugal em que eu tive o privilégio de nascer a gravação da ameaça que ainda hoje ecoa em mim, de vez em quando: “This is Papa Kilo Alpha India. Indonesian War Ship. You are now in Indonesian territorial seas”…Eu ia fazer dezasseis anos daí a dias e é sem orgulho que confesso a inveja que senti daquelas dez dúzias de gente boa que, vindas de mais de 20 países do mundo e acompanhadas de um Senhor com uma coragem imensa (a maiúscula é propositada), tentaram entrar num (ainda não, mas em breve) país ocupado para ir levar flores a um cemitério onde uns bárbaros haviam matado gente, gente que merecia homenagem por muitas razões (a maior delas a de que a Vida de per si merece respeito, como merecem respeito a Autodeterminação e a Liberdade, enquanto inegáveis direitos humanos que são).Olho para trás e sei, hoje, que aquele foi o melhor presente que tive nesse ano: uns desconhecidos embrulharam-me em papel de coragem e em fitas de ser(-se) humano o seu exemplo de ser cidadão, colocando-se em risco (e risco de vida) para chamar a atenção do mundo para a situação por que passava o Povo de Timor Leste.Deram-me a (sempre) doce memória da “Paz por Timor”.Sabiam que não iam entrar e que aquilo não seria mais do que um ato simbólico? Claro que sabiam! Mas sabiam também que assim conseguiam pôr Timor Leste e o massacre do cemitério de Santa Cruz nas bocas do mundo…E saberiam do orgulho que um Portugal solidário, fraterno, preocupado com os Direitos Humanos teria deles? Estou francamente convencido de que sim, mas também de que isso era a única coisa que não os motivava: importava era fazer o que podiam pelo Bem, numa missão que tinha tanto de justa quanto de necessária a um tempo em que nem toda a gente se apercebera de que Timor merecia estar nas bocas do mundo.Olho para trás e compreendo o que com quinze anos não tinha como compreender: o grau de coragem que se exige a um Ser Humano para ali estar é quase sobre-humano. E não tenho a certeza de que teria a coragem de me pôr em risco de vida se a oportunidade de ali estar se tivesse proporcionado.Prefiro, talvez, pensar que sim e que, se tivesse podido, estaria a bordo de um dos barcos da flotilha que, com toda a razão, chamaram de “resistência”.Inseguro dessa (minha) coragem, porém, posso dizer que sinto pela Senhora Deputada Mariana Mortágua, pela Senhora Atriz Sofia Aparício e pelo Senhor Miguel Duarte (e, também aqui, as maiúsculas são propositadas) a mesma admiração e o mesmo orgulho que senti relativamente ao General Eanes e ao Rui Marques, há mais de trinta anos: também eles fizeram o justo e necessário apenas porque era justo e necessário.Nessa mesma insegurança, tenho, neste momento e em mim, tremendas as sensações de mágoa e de vergonha: tenho a certeza de que, se no Portugal de há mais de trinta anos, o Lusitânia Express tivesse sido intercetado, abordado e os seus tripulantes capturados pelos indonésios, o que então éramos de fraternos, solidários e filhos dos Direitos Humanos faria com que um país inteiro se levantasse em coro, num uníssono ensurdecedor em prol da sua libertação e relembrando a bravura do seu gesto…Estava a escrever estas linhas quando soube que as Senhoras Mariana Mortágua e Sofia Aparício foram capturadas pelas forças israelitas: passei os olhos pelas redes sociais e tive verdadeira vergonha de ler coisas do género: “elas já sabiam…” ou “quem é que as mandou ir?” muito mais frequentes que palavras de apoio e esperança no seu são e inteiro regresso.Deixámos de ser solidários e fraternos? Não creio… tenho a esperança de que é o maniqueísmo vigente que faz parecer que sim; mas, se continuarmos a dar espaço aos que nos dividiram entre os bons e os maus, tenho a sensação de que a solidariedade e a fraternidade deixarão de ser de todos e para todos.E, sim, envergonha-me saber que, quando esse tempo chegar, terá chegado porque deixámos de ser partisans dos Direitos Humanos e dos valores da Casa (que se quer) Comum; terá chegado porque teremos deixado de ver no Outro o que ele nunca pode deixar de ser: um fim em si…Da minha parte, cá continuarei (quando e se a coragem mo permitir) a dizer que não quero um mundo em que, seja por que razão for, o Justo tenha deixado de o ser porque era necessário a fins (em si) injustos…