segunda-feira, 25 de agosto de 2025

Obrigado, ZLBC!!!


 

Morreu(-nos) um mestre, um verdadeiro Mestre…

Ontem, a vida confirmou-me que o Zé Luís nos dizia a verdade quando se apelidava de humano…

Custa a acreditar. O Borges Coelho não parecia humano: o animal que assim catalogámos é intrinsecamente egoísta. Mas o Zé Luís não: para o Zé Luís tudo era (e era sempre!) sobre o outro; o outro que merecia mais dele e de todos, o outro que merecia tudo de que ele fosse capaz. E era (inacreditavelmente) capaz de muito mais do que esperamos dos “humanos”.

Era Mestre da Palavra com que se faz música e da Música com que a palavra se deve fazer.

Era intérprete como nenhum (não, não é como poucos: é mesmo como nenhum!) de muita música coral.

O privilégio que tive de o ter por maestro é inenarrável: o Zé Luís era aquele maestro que sabia que um coletivo é capaz de tudo quando suficiente e empaticamente motivado. Talvez por isso, o “seu instrumento” – o Coral de Letras da UP – fez de tudo como poucos poderiam fazer… com ele, por causa dele, (tantas vezes até) por ele…

Mas era, acima de tudo, era um Homem bom: aqui há uns anos, à procura do que achava que dois compassos deveriam ser, obrigou-se a passar um sábado à tarde – literalmente um sábado à tarde inteiro – à volta de pouco mais de uma dúzia de notas entre três barras ao alto de um motete de Francisco Martins.

E, por incrível que pareça, ao voltarmos-lhes, na segunda-feira seguinte, o trabalho incansável do Zé Luís tinha ficado plantado e estavam feitas a Beleza e a Arte que os privilegiados que as fizemos com ele jamais esqueceremos…

Mas, quando falava disso, não era o resultado que lhe despontava o sorriso bondoso e amigo: era, pelo contrário (um “ao contrário” de que só os verdadeiramente bons são capazes), o facto de todos termos aceite aquilo e querido aquilo, como se a “generosidade” daquelas três horas fosse nossa e apenas nossa…

Solidário como conheci poucos – gostava de saber quantos ainda conhecem que prescindissem de si pelo outro ao ponto de renunciar à “faustosa” Casa da Música quando a Casa da Música maltratou os seus músicos precários no pós-pandemia – nunca se aproveitou de nada do que fez para benefício próprio. O “seu instrumento” é talvez a prova maior disso: jamais se serviu do Coral de Letras da UP; sempre serviu (n)o Coral de Letras da UP.

O Zé Luís, ainda por cima, tinha sempre colo para todos.

E tinha-o especial para os que menos o merecíamos.

Aqueles dois braços finos, aparentemente frágeis, encerravam uma força inquebrantável e eram tão longos e capazes de abraço que parecia que não acabavam nas mãos, também elas (pre)dispostas a embalar…

E, por falar em mãos, elas diziam imensamente do como era bom. Há peças que cantámos sob a sua direção dezenas de vezes; nunca o seu gesto era igual em nenhum momento de direção: quando dirigia o Coral, ao mesmo tempo que parecia que escutava cada um dos membros daquele coletivo, tenho a certeza de que nos olhava nos olhos, nos lia a alma e o querer e de que só pedia aquilo que fossemos capazes de dar naquele instante (nunca o vi exigir, apesar de ter todo o direito de o fazer).

E, por isso, o gesto era sempre diferente: porque nada no Zé Luís era mecânico, nada nele era artificial; o gesto (cada gesto, todo o gesto) era inspirado no outro tanto quanto inspirador era para o outro…

Talvez por isso – seguramente por isso! – era tão bom estar ali, onde ele ia mostrando que é infinitamente bom estarmos para o outro.

O outro, o nosso igualmente humano… mesmo quando nos mostra por que parecia que o ZLBC não era humano…

Infelizmente, ontem, morrendo(-nos) como os humanos nos vão morrendo, deixou uma última lição dessa Humanidade em que era (e na memória de muitos, há-se ser sempre) um verdadeiro Mestre…

Obrigado, Mestre ZLBC!

(A foto “gamei-a” à Ana. E talvez torne tudo o que escrevi uma redundância...).

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