terça-feira, 24 de junho de 2025

Nótulas sobe uma experiência nova (a de votar "nulo")...

 

Fui ler a moção com que José Luís Carneiro se apresenta aos socialistas para ser seu Secretário Geral.

E se, por um lado, tive a vida facilitada – esta coisa de o “aparelho” ter decidido que iríamos ter não uma eleição, mas sim um plebiscito só me deixou uma moção para ler – foi algo penoso perceber ao que esse plebiscito nos vai conduzir…

Primeira coisa que me chamou a atenção: estabilidade. A proposta – a ser cumprida (e não há outro caminho quando se promete que não seja o de cumprir) – deixa o PS nas mãos da direita no poder, prometendo dessa forma fazer os nossos concidadãos perceber que é na estabilidade que se fará o caminho. Por outras palavras, deixa-se ao PPD/PSD a liberdade de governar, para os eleitores perceberem que é ao centro e não à esquerda ou à (extrema) direita que se fará Portugal.

A meu ver, nada mais de errado: o PPD/PSD não é já um partido da social democracia (Passos Coelho, acolitado por Montenegro, há mais de dez anos atrás e, hoje, Montenegro, acolitado pelos Passos Coelho desta vida, levaram o partido de Sá Carneiro para a visão neoliberal que se conhece e que a decência na análise deveria fazer reconhecer – e combater).

A moção peca, pois, por não dizer claramente que é na social democracia que o PS sempre preconizou que se fará o desenvolvimento e a busca da igualdade e do verdadeiro elevador social que tanta falta faz a Portugal, num momento em que saímos cada vez mais (nisso acompanhando o resto do mundo, lamentavelmente) da lógica de que ao Estado cabe criar as condições para que o filho de um pobre não tenha de o ser quando tiver a idade dos pais.

Quando se fala de Justiça, juntando aos lugares comuns (aliás, não só de Justiça: as banalidades e os lugares comuns perpassam toda a moção), comete-se um erro que nos vem saindo caro: não é com corporativismos, mas sim com a negação deles e com o combate férreo contra eles que lá podemos ir: enquanto perdemos tempo com a proteção de quem tem o dever de proteger e não com os que merecem – por direito próprio – a proteção, jamais conseguiremos afirmar a Justiça como valor e necessidade…

A regionalização desaparece da estratégia… e a tristeza é o que me invade quando o constato: os municípios são essenciais, as freguesias são importantes; mas descentralizar do Estado sem que isso passe por um objetivo claro de criação de um contrapoder regional com uma base democrática indelével como seriam as regiões administrativas é a mera afirmação de algo que (passe o termo) verdadeiramente me enoja: o centralismo que é da direita vai tornar-se o do PS; e jamais deveria ser da esquerda democrática que o PS significa.

Falar de (re)organização da atividade partidária sem valorizar os militantes é, a meu ver, vergonhoso. Juntemos a isso alguém que se apresentou na AR a defender a despartidarização da vida pública portuguesa e constata-se que mais não faz que dizer aos que vivem neste país que os Partidos não estão ao serviço deles…

E, sob o meu ponto de vista, é triste verificar que, em vez de dizer que os seus militantes são os mais preparados para servir o país, alguém que se apresenta para dirigir um grande partido como é o PS diga que são dispensáveis no serviço ao país. Não são!

Dissesse que é preciso fazer mais para que só os verdadeiramente preparados e verdadeiramente preocupados com o país poderão ser militantes e, com base nisso e por causa disso, serem servidores do País; dissesse que quem não se filia (no seu pensar e agir) na social democracia não pode ser (ou continuar a ser) militante; dissesse que só esses podem servir o país a partir do PS; dissesse que não há espaço para projetos pessoais na militância no PS. O que me custa é ver que diz – e dizer indiretamente também é dizer – que os militantes do PS são um entrave ao serviço que os serviços públicos devem significar. E isso, francamente, envergonha-me como militante do PS.

Antes do motivo essencial, que retratarei infra com uma imagem: há ausências que me são tremendamente difíceis; e esta é, para mim, imperdoável: em mais de 40 páginas de lugares comuns (próprios de quem sabe que não tem de apresentar projetos que significam escolhas, porque ninguém as vai debater com ele: lá está, é o mundo dos plebiscitos, tão, mas tão piores que as eleições) a palavra essencial a um partido socialista do século XXI não aparece… Falta, definitiva e infelizmente, COMUNIDADE a esta moção.

E isso seria bastante para não me rever nela.

Votei, consciente e livremente, noutra opção para o PS, para o País, para o mundo em 2023.

Não mudei de opinião sobre o que o PS, o país e o mundo devem ser de 2023 para cá.

E não acredito que os mais de 60% de militantes que pensaram como eu tenham deixado de pensar.

Acredito, sim, que estamos coartados da escolha; e coartados da escolha por um “aparelho” que se foi fazendo importante, ao minar e diminuir uma liderança e um projeto da esquerda democrática (nas televisões, nos bastidores, nos “mentideros”, em locais onde a lealdade deveria ter falado mais alto, mas onde não falou – e não esqueçamos que falou, tantas vezes, aos berros, fragilizando o Partido e a sua liderança). Infelizmente, um aparelho que tornou importantes projetos e sonhos pessoais, quando deveria ser farol para que os projetos e os sonhos da Comunidade fossem os que verdadeiramente importam.

Por fim, a imagem: em 2023, quando se debatia projetos para liderança do meu Partido (lá está: havia eleições), o argumento para pedir o voto do agora plebiscitado futuro Secretário Geral era o que a imagem demonstra…

E quem se afirmava (não pela força do seu projeto, mas) pela pseudo força da sua imagem não me serviu (aliás, por princípio, não me serviria)…

Hoje, franca e tristemente, também não me serve…

Resultado: pela primeira vez na minha vida, vou votar nulo. E, se é com tristeza que o admito (especialmente porque o farei num ato no contexto do meu partido), é com a certeza de que farei o certo que o farei: não troco consciência, valores e princípios por nada. Muito menos por um plebiscito que os enterrará!



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