segunda-feira, 8 de março de 2021

QUO VADIS, OA?


 



Tinha-me prometido silêncio (ou pelo menos, o silêncio) mais longo possível…

E tinha-o porque me jurei continuar a pensar e orientar a minha reflexão no que à Ordem dos Advogados diz respeito pela convicção inicial: a de que aqueles que me representam, teriam – seguramente: são humanos! – os seus defeitos na ação, mas, no essencial, uma boa intenção no seu propósito: a de tudo fazer para que todos os Advogados sejam tratados de forma igual e de acordo com o que merecem!

Hoje, pelo menos, não respeitarei, esse voto de silêncio! O que li é grave demais para que possa permanecer no silêncio que só aquela crença me permitia!

O Senhor Presidente do Conselho Geral da Ordem dos Advogados (aqueles de que deveria ser primus inter pares) comunicou-nos a todos, o seguinte:

a) Que o Conselho Geral a que preside concorda que um Advogado escolhido pelos seus pares para integrar os órgãos executivos da sua Ordem não pode integrar os Conselhos Superiores das Magistraturas e do Ministério Público, por incompatibilidade; e,

b) Que vai iniciar um processo de revisão do Estatuto da Ordem dos Advogados…

Comecemos pela “concordância”…

Um Advogado (sendo-o de “toga na alma”, como o são os que assim merecem ser chamados!) é, por definição e por não saber ser de outra forma, livre e independente: tem, perante um caso concreto, os interesses do cliente que representa por mote e motor e, quando o caso é abstrato, a defesa do Estado de Direito, das Liberdades e da Cidadania como estrela guia.

Por isso é que, ao contrário do que sucede com as outras profissões do mundo judiciário nunca compreendi a lógica de representação sindical (ou que com a representação sindical tenha paralelo) dos Advogados…

Os interesses dos Advogados nunca são os seus (seja numa leitura micro, seja numa análise macro da realidade): são sempre os daqueles cidadãos ou os daqueles valores a que empresta a voz.

Por essa razão, sempre a Ordem dos Advogados defendeu (e bem!) o princípio de que os Advogados – qua tale – devem estar presentes nos diversos órgãos, fori e demais instâncias onde o exercício do poder ou os interesses particulares podem significar deterioração dos valores do Estado de Direito, da Liberdade e da Cidadania!

A primeira vez em que verifiquei uma deriva a esse princípio foi quando um Presidente de um Conselho (então) Distrital da nossa Ordem, mais preocupado em combater o nosso Bastonário António Marinho e Pinto do que com os interesses da Classe ou do Estado de Direito, conseguiu convencer o poder político – como se o poder político precisasse de muito para se deixar convencer disso – de que os Advogados não tinham nada que fazer nos órgãos de gestão das atuais comarcas…

Hoje, verifico que – numa linha que me parece idêntica (estar mais preocupado com os seus interesses que com os da Classe e com os do Estado de Direito) – uma nova deriva contra esse querer os Advogados dentro (e dentro por direito próprio) dos locais onde o Poder e os interesses particulares podem corromper o Estado de Direito se afirmou…

É óbvio que as profissões sindicalizáveis não querem Advogados nos Órgãos do Estado onde essa sindicalização tem de ser (obviamente, jamais combatida, mas naturalmente) enquadrada em valores maiores que os dos seus sindicalizados!

E essa é mais uma razão para que os Advogados lá estejam! E, de preferência, Advogados que sejam simultaneamente membros dos órgãos executivos da Ordem dos Advogados Portugueses, maxime quando falamos do Conselho Geral, único órgão que só é eleito por maioria absoluta dos Advogados. Evidentemente, em tempo algum para sindicalizar as decisões daqueles órgãos! Mas não menos necessariamente, para imprimir a visão que a maioria da Advocacia tenha do que deva ser o enquadramento casuístico do Estado de Direito…

Dizer que se concorda com quem acha que um membro de um órgão Executivo da Ordem dos Advogados Portugueses esteja impossibilitado de integrar os Conselhos Superiores das Magistraturas e do Ministério Público é (por mais que se aceite que a vingança contra o Senhor Dr. apeteça) um ato de lesa-classe praticado por quem deveria, antes do mais, defendê-la, dignificá-la e melhorar perante a comunidade a perceção da sua essencialidade…

Mas, pior, deixa no ar um apoucamento da dignidade e honorabilidade como profissional de quem está ou esteve nessas funções em simultâneo, ao afirmar que só o Conselho Geral da Ordem pode aferir dessa incompatibilidade, quando as únicas que lhe são de reconhecimento exclusivo são as que decorrem do artigo 81º do Estatuto da Ordem dos Advogados e essas são as que mexem com a plena autonomia técnica, a isenção ou a independência do Advogado ou com a dignidade da profissão.

Mas não é perseguindo Advogados, não é apoucando Advogados, não é desta maneira se que faz o que é preciso fazer pelo Respeito, Dignidade e Segurança de que a Advocacia e os Advogados estão muito mais carentes agora do que estavam há um ano atrás!

Esperemos que este episódio seja apenas (mais um) exemplo de não fazer ideia de como se devem comunicar as coisas…



Uma palavra breve sobre a revisão do Estatuto da Ordem dos Advogados…

Ao longo do último ano, fruto da insensibilidade total com que abordaram a questão pandémica, este Conselho Geral e este Bastonário da Ordem dos Advogados (que, de facto, defendi como sendo os que me davam esperança numa Advocacia mais livre, mais independente e, por isso, mais respeitada e mais capaz de se dar ao respeito), foram deixando cair aqueles que a eles se agarraram como fator de esperança e de melhoria da Advocacia e do Estado de Direito num sentimento de desesperança…

Da minha parte (já o disse e com vergonha o repito), a opção que tomaram em 15 de abril de 2020, cedendo, numa reunião do Conselho Geral da CPAS (rectius, cedendo os seus representantes naquela reunião) a uma poderosa franja da Advocacia, interessada, há anos, em usar a CPAS para o desiderato de eliminar do panorama da Advocacia Portuguesa a Advocacia em Prática Individual como a conhecemos, tornando muitos milhares de Advogados – a grande maioria deles jovens! – trabalhadores a recibos verdes de outros Advogados ou de Sociedade de Advogados), marcou o meu limite e o meu consequente afastamento deste Conselho Geral…

Outros o foram sentindo, mais rápida ou mais lentamente, e, hoje em dia, está instalada a crença de que a Advocacia no seu todo interessa pouco a quem tem a obrigação de nos representar.

Esta proposta de revisão do Estatuto da Ordem dos Advogados poderia ser uma oportunidade de ouro de demonstrar que é a Profissão, que é a Advocacia, que são os Advogados que interessam a este Conselho Geral e a este Bastonário da Ordem dos Advogados…

Vir “informar-nos” de que vai discutir essa proposta de alteração da nossa lei enformadora com os demais órgãos da Ordem, esquecendo que é do preto das togas e não do vermelho das fitas que seguram as medalhas que Bastonário e Conselho Geral obtiveram (e poderiam – ainda –recuperar!) a sua legitimidade para ir junto do poder político dizer o que interessa à Advocacia, aos Advogados e ao Estado de Direito só não é lastimável porque, infelizmente, era de esperar!

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