quarta-feira, 2 de abril de 2008

Tenho andado a pensar na ideia (de que por aí se tem falado muito) de dar sumiço legislativo à acção de divórcio baseada na culpa.
Sei bem que isso corresponde a interesses (espantosos, quanto a mim) de fazer passar a alguma esquerda a ideia de que há efectivamente esquerda em quem legisla no PS, mas eu tenho para mim que estamos (principalmente se reduzirmos a causa de divórcio aos afectos) a esquecer e a comprometer em demasia pilares fundamentais da nossa sociedade.
Sou divorciado, pela via do mútuo consentimento e confesso que não me imagino passado a ferro pela via crucis que, por vezes, são os divórcios litigiosos.
Mas (talvez por ter sido um divórcio por mútuo consentimento), o respeito que tive e tenho pela mulher que foi minha esposa, faz-me ver-me ainda menos numa situação em que a teria sujeitado a uma espécie de declaração unilateral perante um oficial público do género: “não gosto mais dela, quero a palavra casado fora do meu Bilhete de Identidade”…
A ideia de culpa para a extinção de um vínculo contratual parece-me essencial: parece-me que só podemos construir uma sociedade de jeito se continuarmos a pautar a vivência societária pela velha máxima de que “pacta sunt servanda”.
Passa pela cabeça de alguém não pagar um café só porque o sabor não lhe agradava? A mim passa se tiver pedido um café “robusta” e me tiver aparecido um “arábico”. Mas tenho que o demonstrar.
Não me passa pela cabeça que o empregador possa despedir o seu colaborador sem invocar uma justa causa para o efeito.
Para mim, ainda faz sentido a ideia de que os contratos (e, para quem não goste de contratualizar, há aquela figura da união de facto) são para cumprir.
Qualquer caminho diferente parece-me abrir demasiadas brechas em demasiados pilares da nossa sociedade.
E mesmo que esses pilares estejam escondidos e pareçam pouco importantes, lembro-me sempre que era na parte invisível da Ponte de Entre-os-Rios que estavam as brechas maiores…

2 comentários:

Anónimo disse...

Sinceramente ainda não parei para pensar muito neste assunto. Mas parece-me positivo, em muitos aspectos. Trazendo porém os negativos, que isto de mudar as coisas terá sempre contrapartidas boas e más.
Acho que quando existe a possibilidade de mútuo acordo não caberia na cabeça de ninguém declarar divórcio unilateralmente. O problema reside na impossibilidade do mútuo acordo. Porque se não há mútuo acordo já não há muito respeito. Ou há interesses maiores por trás. Ou há casamentos disfuncionais presos ao socialmente relevante. Enfim, porque há tudo menos duas pessoas que querem estar juntas e construir caminho a dois. E se a generalidade dos contratos é para cumprir, concordo, este não poderá ser, nunca, visto como um contrato típico (apesar de ser, todavia, um contrato). Não concebo a prisão de alguém a um casamento que já não faz sentido para si. Onde é infeliz. Onde está porque sim. E sim, acho que aqui se pode não pagar o café, mesmo que tenha vindo exactamente aquilo que eu pedi. Porque posso tê-lo pedido há dois, três, dez, vinte anos e hoje, afinal, já nem sequer gosto de café.

Não gosto da facilidade com que se descartam relações. Da facilidade da desistência. Mas quem sou eu para julgar se as pessoas tentaram o que para elas foi suficiente? Numa sociedade idealmente civilizada nem seriam precisas leis - o livre arbítrio bastaria. E é disso que se fala, no fundo. Da capacidade de decidir se um casamento acabou, de facto. E eu não concebo que um juíz, um tribunal, tenha mais capacidade para o fazer que as partes envolvidas, mesmo que seja apenas uma delas.

Acho que deveria haver alguma mediação, preferencialmente por um psicólogo com background em terapia de casal. Mas se a decisão se mantiver, os casados, mais que ninguém, deverão ter poder para decidir.

Eduardo Gonçalo disse...

É sempre muito bom ouvir vozes conhecidas. Eu pelo menos gosto, portanto espero que seja para continuar este teu blog ao qual desejo as maiores felicidades.

Agora esta tua opinião acerca da culpa no divórcio é que já não concordo nada.

Antes de continuar ponho uma resalva para me proteger de eventuais calinadas que eu cometa.
Eu não percebo nada de direito.

Vamos lá então.
Quando duas pessoas se casam, fazem-no com base num sentimento a que chamamos amor. Inquantificavel e com culpas para ambos.

E se de repente esse sentimento se esvazia numa das partes e o casamento para ele deixa de fazer sentido.
Como é?
Tem de aguentar o resto da vida uma relação que já não lhe diz nada.
Ou avança para o divórcio e aguenta com a culpa provocada por um sentimento que não controla.

É com isto que eu não concordo. Se se começa com base num sentimento e ninguém questiona, também se devia poder acabar com base no desaparecimento desse sentimento.
Isto digo eu que não percebo nada de direito...

Abraço JP

Eduardo Gonçalo