quinta-feira, 1 de junho de 2017

Nótulas ao pedido de um amigo de que lesse o discurso de um juiz...

Meu bom amigo,
Desta vez, lixaste-me: teres-me pedido que lesse o texto integral do discurso recente do Senhor Juiz Carlos Alexandre foi literalmente obrigares-me a gastar cera com fraco defunto... mas, já que mo pediste e que não sei não aceder a pedidos teus, cá vão algumas nótulas ao que li, só as que me parecem essenciais:
a)       Foi interessante (embora nauseante) verificar de onde vem o pensamento do Senhor Dr. Carlos Alexandre, o que o texto demonstra em abundância: o amor à forma de fazer orçamentos (e, sem dúvida, política e justiça – não está escrito, mas é evidente) a partir de 1928;
b)      Mas isso não me espanta, confesso: alguém que admite (ainda por cima em público e por escrito) estar onde está “por favor dos media” (sic), não o vejo a ter ideologia diversa;
c)       A páginas tantas, referindo-se a Espanha, diz algo estranho como isto: «E na Espanha? Temos aqui quem fala com uma propriedade e "know how" que eu nuca terei.»; considerando que se refere a um tipo que no exercício de funções, cometeu verdadeiros crimes e que , por isso, afastado do nobre exercício da magistratura, fico em pânico com os “role models” da personagem; não obstante
d)      Se é verdade que estas coisas bastariam para que o restante texto me merecesse pouco respeito, por respeito ao teu pedido, li o discurso todo;
e)      Por ser o que me interessa, vou só percorrer as medidas que preconiza para combater a corrupção;
f)        Além de me aperceber de que há muitas medidas que o senhor preconiza que desapareceram da versão “dada à estampa” – o que, francamente, me faz temer muitíssimo acerca do pensamento jusfilosófico do senhor, algumas delas deixaram-me de cabelos em pé:
g)       A primeira dessas, a seguinte: «10ª Reduzir, para os crimes de excepcional gravidade, como são os cometidos por organizações criminosas operando a nível transnacional, o excesso garantístico do direito constitucional, penal e processual penal dos modernos Estados de Direito. / Perante a gravidade do crime organizado, a lógica dos princípios deve, em casos excepcionais, e dentro de limites razoáveis, ceder perante o pragmatismo das soluções necessárias à salvaguarda dos mesmos princípios.»; quando alguém se disponibiliza para ceder em matéria de princípios, para obter resultados, eu fico a pensar de que outros (a seguir aos que enunciam como prescindíveis) vai abdicar; e em quanto tempo regressaremos à barbárie…;
h)      Outra é a seguinte: «14ª Inverter assim, para se poder concretizar a «expropriação» das fortunas ilicitamente adquiridas, o tradicional ónus da prova. Hoje, é princípio civilizacional intocável o de que a prova compete a quem acusa.», indo mais longe, ao ponto de afirmar isto: «Que aquele princípio continue aplicável ao pequeno crime, não se contesta. Mas que continue a proteger quem o quer destruir, destruindo o Estado de Direito, é mais difícil de compreender.»;
i)        Mas o topete maior é o de dizer em público isto: «17ª E porque não ir até ao ponto de questionar o bem fundado da aplicação sem reservas, aos patrões do crime organizado, do principio in dúbio pro reo, ou mesmo o princípio da «presunção de inocência»?»;
j)        Descobri que era estúpido ao ponto de achar que as conquistas civilizacionais mais essenciais eram inatacáveis por gente a quem o Estado confere o poder de julgar, exercendo e seu nome, ainda para mais a sagrada função de garantia de direitos constitucionalmente consagrados; mas não! ao arrepio até do praticado pela “Santa” Inquisição – que arrancava à força e à tortura confissões para que a prova se fizesse, mas tinha de aparecer prova da acusação – este iluminado (seguramente, pelo espírito de 1928), acha que não: a prova chega feita ao processo (às tantas, sem sequer alegação de factos) e cabe ao acusado desmentir a ilicitude presumida;
k)       As medidas “20ª  (…) não recuar perante o expediente do agente infiltrado [depois de ter defendido a “delação premiada”]. (…) [e] 21ª  (...)deixar de questionar, por mal empregados escrúpulos, a participação dos serviços secretos», essas, então, são a definição clara de onde se funda o pensamento “democrático” do senhor, o que me mereceria apenas comentários que (apesar de terem passado a serem possíveis com o 25 de Abril de 1974), me responsabilizariam criminalmente, coisa que dispenso, como imaginarás;
l)        Uma, porém, merece-me um comentário: a um tipo que diz isto (sic) «22ª Útil podia revelar-se também a atribuição, no combate aos crimes mais graves, de efeitos jurídicos ao silêncio. É frequente os suspeitos de comissão ou participação desses crimes, e seus asseclas, refugiarem-se no silêncio como expediente de defesa. Estando fora de causa as formas violentas de compulsão a dele saírem, só nos resta atribuir efeito jurídico ao seu silêncio, no conjunto das provas. No minino quando se entenda que têm o dever de não silenciar, à semelhança do que acontece no processo civil. Seria o caso, supramencionado, de se recusarem a justificar a origem de uma fortuna repentina e suspeita.» é absolutamente urgente, é imperioso que alguém lhe rasgue a beca em pedacinhos pequenos o suficiente a que jamais possa hipótese de ser remendados! Como é possível que alguém esteja empossado do ius puniendi de um  Estado de Direito Democrático e diga uma coisas dessas??!;
m)    Uma última nota, meu caro amigo: como tu, estou farto de “certas coisas”; mas nunca me fartarei do caminho das liberdades (as que a Constituição da República Portuguesa prevê e manda – como o nosso EOA – que defendamos), da democracia e das garantias civilizacionais de que um humano do século XXI não pode prescindir: farto estou destes pseudo-democratas que mais não fazem que justificar os Trumps e as Le Pen deste mundo…
n)      Arauto sempre, mas da liberdade e da democracia, nunca do regresso ao como era a partir de 1928…

o)      Ah, é verdade! Aquele abraço!