Meu bom amigo,
Desta vez, lixaste-me: teres-me pedido que lesse o texto integral do discurso recente do Senhor Juiz Carlos Alexandre foi literalmente obrigares-me a gastar cera com fraco defunto... mas, já que mo pediste e que não sei não aceder a pedidos teus, cá vão algumas nótulas ao que li, só as que me parecem essenciais:
a)
Foi interessante (embora nauseante) verificar de
onde vem o pensamento do Senhor Dr. Carlos Alexandre, o que o texto demonstra
em abundância: o amor à forma de fazer orçamentos (e, sem dúvida, política e
justiça – não está escrito, mas é evidente) a partir de 1928;
b)
Mas isso não me espanta, confesso: alguém que
admite (ainda por cima em público e por escrito) estar onde está “por favor dos
media” (sic), não o vejo a ter ideologia diversa;
c)
A páginas tantas, referindo-se a Espanha, diz
algo estranho como isto: «E na Espanha?
Temos aqui quem fala com uma propriedade e "know how" que eu nuca
terei.»; considerando que se refere a um tipo que no exercício de funções,
cometeu verdadeiros crimes e que , por isso, afastado do nobre exercício da
magistratura, fico em pânico com os “role models” da personagem; não obstante
d)
Se é verdade que estas coisas bastariam para que
o restante texto me merecesse pouco respeito, por respeito ao teu pedido, li o discurso
todo;
e)
Por ser o que me interessa, vou só percorrer as
medidas que preconiza para combater a corrupção;
f)
Além de me aperceber de que há muitas medidas
que o senhor preconiza que desapareceram da versão “dada à estampa” – o que,
francamente, me faz temer muitíssimo acerca do pensamento jusfilosófico do
senhor, algumas delas deixaram-me de cabelos em pé:
g)
A primeira dessas, a seguinte: «10ª Reduzir, para os crimes de excepcional
gravidade, como são os cometidos por organizações criminosas operando a nível
transnacional, o excesso garantístico do direito constitucional, penal e
processual penal dos modernos Estados de Direito. / Perante a gravidade do
crime organizado, a lógica dos princípios deve, em casos excepcionais, e dentro
de limites razoáveis, ceder perante o pragmatismo das soluções necessárias à
salvaguarda dos mesmos princípios.»; quando alguém se disponibiliza para
ceder em matéria de princípios, para obter resultados, eu fico a pensar de que
outros (a seguir aos que enunciam como prescindíveis) vai abdicar; e em quanto
tempo regressaremos à barbárie…;
h)
Outra é a seguinte: «14ª Inverter assim, para se poder concretizar a «expropriação» das
fortunas ilicitamente adquiridas, o tradicional ónus da prova. Hoje, é
princípio civilizacional intocável o de que a prova compete a quem acusa.»,
indo mais longe, ao ponto de afirmar isto: «Que
aquele princípio continue aplicável ao pequeno crime, não se contesta. Mas que
continue a proteger quem o quer destruir, destruindo o Estado de Direito, é
mais difícil de compreender.»;
i)
Mas o topete maior é o de dizer em público isto:
«17ª E porque não ir até ao ponto de
questionar o bem fundado da aplicação sem reservas, aos patrões do crime
organizado, do principio in dúbio pro reo, ou mesmo o princípio da «presunção
de inocência»?»;
j)
Descobri que era estúpido ao ponto de achar que
as conquistas civilizacionais mais essenciais eram inatacáveis por gente a quem
o Estado confere o poder de julgar, exercendo e seu nome, ainda para mais a
sagrada função de garantia de direitos constitucionalmente consagrados; mas
não! ao arrepio até do praticado pela “Santa” Inquisição – que arrancava à
força e à tortura confissões para que a prova se fizesse, mas tinha de aparecer
prova da acusação – este iluminado (seguramente, pelo espírito de 1928), acha
que não: a prova chega feita ao processo (às tantas, sem sequer alegação de
factos) e cabe ao acusado desmentir a ilicitude presumida;
k)
As medidas
“20ª (…) não recuar perante o expediente
do agente infiltrado [depois de ter defendido a “delação premiada”]. (…) [e] 21ª (...)deixar de questionar, por mal empregados
escrúpulos, a participação dos serviços secretos», essas, então, são a
definição clara de onde se funda o pensamento “democrático” do senhor, o que me
mereceria apenas comentários que (apesar de terem passado a serem possíveis com
o 25 de Abril de 1974), me responsabilizariam criminalmente, coisa que
dispenso, como imaginarás;
l)
Uma, porém, merece-me um comentário: a um tipo
que diz isto (sic) «22ª Útil podia
revelar-se também a atribuição, no combate aos crimes mais graves, de efeitos
jurídicos ao silêncio. É frequente os suspeitos de comissão ou participação
desses crimes, e seus asseclas, refugiarem-se no silêncio como expediente de
defesa. Estando fora de causa as formas violentas de compulsão a dele saírem,
só nos resta atribuir efeito jurídico ao seu silêncio, no conjunto das provas.
No minino quando se entenda que têm o dever de não silenciar, à semelhança do
que acontece no processo civil. Seria o caso, supramencionado, de se recusarem
a justificar a origem de uma fortuna repentina e suspeita.» é absolutamente
urgente, é imperioso que alguém lhe rasgue a beca em pedacinhos pequenos o
suficiente a que jamais possa hipótese de ser remendados! Como é possível que
alguém esteja empossado do ius puniendi
de um Estado de Direito Democrático e
diga uma coisas dessas??!;
m)
Uma última nota, meu caro amigo: como tu, estou
farto de “certas coisas”; mas nunca me fartarei do caminho das liberdades (as
que a Constituição da República Portuguesa prevê e manda – como o nosso EOA – que
defendamos), da democracia e das garantias civilizacionais de que um humano do
século XXI não pode prescindir: farto estou destes pseudo-democratas que mais
não fazem que justificar os Trumps e as Le Pen deste mundo…
n)
Arauto sempre, mas da liberdade e da democracia,
nunca do regresso ao como era a partir de 1928…
o)
Ah, é verdade! Aquele abraço!
1 comentário:
muito bem....
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