sábado, 3 de outubro de 2015

Um pouco mais de mim...


CARTA A UM FILHO QUE NÃO TENHO

 

Saberás, meu filho
(Não que os tenha: nunca os tive)
Que não há nada
Que possas fazer (ou desfazer)
Que eu não tenha
O atrevimento de pensar
Que já conheço.
Que nada há que imagines
Que não me tenha sido
Dado a conhecer. 

Amei (como eu amei!)
Tive o supremo privilégio
De ser amado
E vivi o sacrilégio
De ser desejado
Sem retribuir desejo.
 E desejei (Oh! Se desejei!)
Todas as vezes
Em que fui enganado
Pela natureza misteriosa
De um toque de mulher
De cada beijo,
Que dei e me foi dado. 

Em cada hora deliciosa
Em que os corpos (pele com pele)
Se encontravam,
Cheguei mesmo a sonhar
(Sonha sempre quem
vive depressa tão grande é o medo)
Que teria outra e outra oportunidade
Para tentar encontrar-me em mim.
E acredita que não tinha:
Aquelas eram aquelas
E eu desperdicei-as. 

Ah! Foram tantas as asneiras
Que optei por fazer
E fiz ao longo destes anos
Que por cá tenho andado. 

Mas não enjeito um só amor
Dos que pude viver:
E não falo só do amor-mulher
Falo dos livros, da música,
Dos quadros que não sei pintar
Mas que comprei.
Das viagens que fiz
Dos sonhos que sonhei
Das imagens que fotografei
E que ainda insisto em imprimir.
Dos risos e das lágrimas que pude rir.
E do sonho de ser feliz eternamente
Que é isso que mais quer
Quem não prescinde de viver.
Do meu vício do chá
E dos charutos que fumava
E que deixei de fumar
Pensando que preservava
A voz que, afinal, não preservei
E que não era tão má como a pensava…
E dos amigos
(Ah! Tão maravilhosos os amigos!) 

Se me arrependo? 

Claro. Mas só de medo que me fez não arriscar
Que me impediu de pedir sonho
Quando o queria tanto! 

Por isso te digo,
Meu filho que não tenho (nunca os tive):
Não vejas no medo o amigo
Que só ele diz que é! 

Arrisca, mesmo que sintas
Que não há por onde
Correr bem o que desejas…
Humano que é humano
Por razão ou por fé
Corre o risco, não se esconde
Vai à luta, vive!

Ainda não estou velho
Que chegue para crer
Que te possa impor
O meu conselho.
Mas deixa-me dar-to… 

Não fujas do amor!
Não te mintas quando sentires
O desejo de dividir
Vida com quem ames!
Arrisca, meu filho!
Atreve-te a viver!
 

Espinho, 3 de outubro de 2015

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