CARTA A UM FILHO QUE NÃO TENHO
Saberás,
meu filho
(Não
que os tenha: nunca os tive)
Que
não há nada
Que
possas fazer (ou desfazer)
Que
eu não tenha
O
atrevimento de pensar
Que
já conheço.
Que
nada há que imagines
Que
não me tenha sido
Dado
a conhecer.
Amei
(como eu amei!)
Tive
o supremo privilégio
De
ser amado
E
vivi o sacrilégio
De ser
desejado
Sem
retribuir desejo.
E desejei
(Oh! Se desejei!)
Todas as vezes
Em que fui enganado
Pela natureza misteriosa
De um toque de mulher
De cada beijo,
Que dei e me foi dado.
Em cada hora deliciosa
Em que os corpos (pele com pele)
Se encontravam,
Cheguei mesmo a sonhar
(Sonha sempre quem
vive depressa tão grande é o medo)
Que teria outra e outra oportunidade
Para tentar encontrar-me em mim.
E acredita que não tinha:
Aquelas eram aquelas
E eu desperdicei-as.
Ah! Foram tantas as asneiras
Que optei por fazer
E fiz ao longo destes anos
Que por cá tenho andado.
Mas não enjeito um só amor
Dos que pude viver:
E não falo só do amor-mulher
Falo dos livros, da música,
Dos quadros que não sei pintar
Mas que comprei.
Das viagens que fiz
Dos sonhos que sonhei
Das imagens que fotografei
E que ainda insisto em imprimir.
Dos risos e das lágrimas que pude rir.
E do sonho de ser feliz eternamente
Que é isso que mais quer
Quem não prescinde de viver.
Do meu vício do chá
E dos charutos que fumava
E que deixei de fumar
Pensando que preservava
A voz que, afinal, não preservei
E que não era tão má como a pensava…
E dos amigos
(Ah! Tão maravilhosos os amigos!)
Se me arrependo?
Claro. Mas só de medo que me fez não arriscar
Que me impediu de pedir sonho
Quando o queria tanto!
Por isso te digo,
Meu filho que não tenho (nunca os tive):
Não vejas no medo o amigo
Que só ele diz que é!
Arrisca, mesmo que sintas
Que não há por onde
Correr bem o que desejas…
Humano que é humano
Por razão ou por fé
Corre o risco, não se esconde
Vai à luta, vive!
Ainda não estou velho
Que chegue para crer
Que te possa impor
O meu conselho.
Mas deixa-me dar-to…
Não fujas do amor!
Não te mintas quando sentires
O desejo de dividir
Vida com quem ames!
Arrisca, meu filho!
Atreve-te a viver!
Espinho, 3
de outubro de 2015
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