sexta-feira, 2 de agosto de 2013

O DESCANSO DE AINDA VER EM CONCRETO QUE OS TRIBUNAIS SÃO ONDE OS DIREITOS DAS PESSOAS TÊM (OU VOLTAM A TER) O RESPEITO QUE MERECEM

Bem me parecia que teria de ler o Acórdão antes de poder abrir a boca.
Definitivamente, anda muita gentinha para aí (lembro-me do Barreto da fundação ou do advogado-comentador-mor-na-SIC-que-até-já-foi-bastonário) a dizer os lugares comuns todos que lhes vieram à ideia sem terem passado as vistas no texto decisório...

É uma decisão muito bem tirada, digo eu (a quem apetece sempre olhar para o essencial e não para o acessório).
Porque o essencial, aqui é saber se uma prova obtida ilegalmente (e ainda para mais em flagrante violação dos direitos de personalidade de um cidadão - in casu, trabalhador) pode ou não ser usada contra seja quem for...
O aresto é claro e preciso na análise que faz da normatividade constante dos artigos 16º e 17º do Código do Trabalho e não podemos deixar de considerar que é aqui absolutamente relevante o facto de a entidade patronal ter feito uso de uma violação (grosseira, diria eu) dos direitos de personalidade do seu colaborador para ter base para o despedir.
Na verdade, se só a médico podem ser prestadas informações sobre o estado de saúde de um trabalhador e este médico está impedido de as transmitir à entidade patronal, apenas podendo informar esta da capacidade ou não do trabalhador para o exercício de funções, usar uma informação a que não poderia ter acesso como fundamento de despedimento, no mínimo há de constituir um desrespeito pelos direitos do trabalhador.
Louvável Acórdão que assim fundamenta a sua decisão: “Dúvidas portanto sobre a recorrente não poder ter acesso à análise de sangue do trabalhador e à taxa de álcool nela encontrada? Nenhumas. É um dado relativo ao estado de saúde do trabalhador que a recorrente nunca podia conhecer.”
Mas, mais gravemente, ainda, há de um Tribunal permitir que se tenha considerado como fundamento para o despedimento uma norma interna que a própria empregadora confessa não existir?
O que o aresto faz é impedir a “coisificação” da pessoa do trabalhador, por muito que ela possa ser interessante para alguma (desumana) doutrina jurídica e para as “modernas” doutrinas sobre economia e sobre o mercado (e as aspas no modernas não é brincadeira: a escravatura é velha, teve foi tempos em que foi legal e o trabalhar sem quaisquer direitos também…)
Daí a acharmos que se possa considerar que um Acórdão que reflete e faz vigentes os direitos da pessoa do trabalhador é uma péssima decisão por dizer o seguinte com álcool, o trabalhador pode esquecer as agruras da vida e empenhar-se muito mais a lançar frigoríficos sobre camiões, e por isso, na alegria da imensa diversidade da vida” (como foi feito) e anunciá-lo fora do contexto em que está escrito é uma coisa que não me parece cabida.
O parágrafo inteiro diz o seguinte [e isto porque a entidade patronal teria afirmado que a sua imagem perante a autarquia sua adjudicante sairia prejudicada do comportamento do trabalhador]: O prejuízo para a sua imagem (e de resto convenhamos que a afirmação de que seria censurada pelo cliente e que isso acarretaria grave prejuízo é completamente conclusiva e manifestamente exorbitante) resultaria do comprovado cumprimento defeituoso do trabalho, pelo trabalhador, associado ao comprovado comportamento embriagado em público (note-se, com álcool, o trabalhador pode esquecer as agruras da vida e empenhar-se muito mais a lançar frigoríficos sobre camiões, e por isso, na alegria da imensa diversidade da vida, o público servido até pode achar que aquele trabalhador alegre é muito produtivo e um excelente e rápido removedor de electrodomésticos).”
E isto porque, como muito bem diz o Acórdão, não havendo norma interna que o proíba, “Vamos dizer que, e sem qualquer carácter pejorativo, não resulta do bom senso que um “almeida”, um “homem do lixo”, não possa beber uma cerveja ao almoço, e ir trabalhar a seguir”.
Porque aquela é uma decisão tremendamente bem tirada, que faz perceber que os Tribunais são onde os direitos das pessoas têm (ou voltam a ter) o respeito que merecem; porque é uma decisão que, a este “mundo” de coisificação do ser humano, tanto deve incomodar; porque, precisamente neste “mundo”, me deixa mais descansado, deixo aqui a minha pública homenagem ao Senhor Desembargador Eduardo Peterson Silva.

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