segunda-feira, 1 de novembro de 2010

A advocacia aos melhores

Ando algo incomodado com o facto de haver quem pense que o facto de se ser licenciado em direito tem de permitir o acesso imediato à advovacia.
A minha posição pessoal é bem diversa: a Ordem dos Advogados, em defesa (também) da classe e (sobretudo e mais importante) da qualidade da advocacia –  logo dos cidadãos, aqueles por causa de quem existimos –  deve vedar o acesso à profissão a quantos não tenham capacidade técnica e idoneidade suficiente para aceder ao estágio.
Não pensava assim há dez anos atrás, quando iniciei – findo o tirocínio – a profissão.
Mas, entretanto, fui vendo a “qualidade” (ia a escrever facilidade, mas prefiro não ferir susceptibilidades) com que se sai das faculdades e creio, agora, que esse é o único caminho a seguir.
Não podemos, de um dia para o outro, inverter a tendência para “dar” cursos de direito.
Mas precisamos – hoje, já – de impedir que, pela má qualidade dos que vestem a toga (e os estagiários também a vestem) a profissão seja denegrida e percamos mais e mais o prestígio que já tivemos como classe e como profissionais.
Advogados desprestigiados por serem maus (e mais que o necessário) implicam abertura de portas a quem nos quer fora dos actos que deveriam ser só dos advogados, por serem os únicos que têm a legitimidade que lhes advem da formação que para isso obtiveram, primeiro na faculdade, depois junto da Ordem dos Advogados.
Advogados que – em início de carreira e para poderem fazer face às despesas normais de um escritório – se sujeitam a serem consultados por EUR 25,00 ou a clientes com honorários máximos pré-fixados em EUR 100,00 por processo (despesas incluídas – salvo taxa de justiça), independentemente do trabalho que envolva o dossier, impedem o entendimento correcto para a palavra “HONORÁRIOS” e deixam marcas negativíssimas na relação de todos nós com o mercado e com os clientes, já que a ganhar assim, deixa de haver tempo para estudar e lá se vai o prestígio a profissão, que advinha, em tempos, de os advogados serem sábios, estudiosos, prudentes.
Advogados que, por não terem a idoneidade suficiente para perceberem que um patrocinado é igual se vier via SINOA ou via tabuleta na porta do escritório, são portas abertas ao defensor público que tantos acham a maravilha do Século XXI judiciário português.
Com o devido respeito, a Ordem a que pertenço (orgulhosa e gostosamente) é a “Ordem dos Advogados Portugueses”.
Não é a ordem dos apoiantes das faculdades de direito de Portugal, nem a ordem dos familiares de jovens licenciados que o Marinho quer impedir de serem advogados!
Que vantagem terá a Ordem dos Advogados Portugueses – e cada um dos seus associados – se formos 40.000 daqui por dez anos?
Os Conselhos de Deontologia e o Conselho Superior (apesar do esforço abnegado dos Colegas que os compõem) têm centenas de processos parados, sendo nós 27.000 activos… como (auto-)regularemos nós a nossa profissão quando formos 40.000 em exercício efectivo (e sê-lo-emos dentro de dez anos, se continuarem a entrar 1.500 por ano)?
Como sobreviveremos cada um de nós quando formos 40.000 (ou seja, considerando uma população de dez milhões de habitantes, houver um advogado por cada duzentos e cinquenta habitantes)?
Não tenho vergonha de dizer isto: não admito que meia dúzia de advogados que vivem do facto de haver estagiários aos magotes (ou porque são mão-de-obra barata ou porque são “objecto” da formação de que vivem) continuem a colocar a classe a que sonhei pertencer desde criança em risco de sobrevivência.
Defendo, por isso e sem vergonha, a fixação de um numerus clausus para o acesso ao estágio, sendo as vagas preenchidas em decurso de um exame nacional e em condições iguais para todos os candidatos, após o que, passada uma formação rigorosa nas áreas que são as nossas (a deontologia e o caso concreto) se fará a selecção final.
No fundo, creio que não se pode entrar em São Domingos de forma diferente da que se entra no Limoeiro.
E custa-me pensar que corro o risco de que volte a não ser assim...

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