Fui ler a moção com que José Luís Carneiro se apresenta aos
socialistas para ser seu Secretário Geral.
E se, por um lado, tive a vida facilitada – esta coisa de o “aparelho”
ter decidido que iríamos ter não uma eleição, mas sim um plebiscito só me deixou
uma moção para ler – foi algo penoso perceber ao que esse plebiscito nos vai
conduzir…
Primeira coisa que me chamou a atenção: estabilidade. A
proposta – a ser cumprida (e não há outro caminho quando se promete que não seja
o de cumprir) – deixa o PS nas mãos da direita no poder, prometendo dessa forma
fazer os nossos concidadãos perceber que é na estabilidade que se fará o caminho.
Por outras palavras, deixa-se ao PPD/PSD a liberdade de governar, para os
eleitores perceberem que é ao centro e não à esquerda ou à (extrema) direita
que se fará Portugal.
A meu ver, nada mais de errado: o PPD/PSD não é já um
partido da social democracia (Passos Coelho, acolitado por Montenegro, há mais
de dez anos atrás e, hoje, Montenegro, acolitado pelos Passos Coelho desta
vida, levaram o partido de Sá Carneiro para a visão neoliberal que se conhece e
que a decência na análise deveria fazer reconhecer – e combater).
A moção peca, pois, por não dizer claramente que é na social
democracia que o PS sempre preconizou que se fará o desenvolvimento e a busca
da igualdade e do verdadeiro elevador social que tanta falta faz a Portugal,
num momento em que saímos cada vez mais (nisso acompanhando o resto do mundo, lamentavelmente)
da lógica de que ao Estado cabe criar as condições para que o filho de um pobre
não tenha de o ser quando tiver a idade dos pais.
Quando se fala de Justiça, juntando aos lugares comuns (aliás,
não só de Justiça: as banalidades e os lugares comuns perpassam toda a moção),
comete-se um erro que nos vem saindo caro: não é com corporativismos, mas sim
com a negação deles e com o combate férreo contra eles que lá podemos ir: enquanto
perdemos tempo com a proteção de quem tem o dever de proteger e não com os que
merecem – por direito próprio – a proteção, jamais conseguiremos afirmar a
Justiça como valor e necessidade…
A regionalização desaparece da estratégia… e a tristeza é o
que me invade quando o constato: os municípios são essenciais, as freguesias
são importantes; mas descentralizar do Estado sem que isso passe por um
objetivo claro de criação de um contrapoder regional com uma base democrática indelével
como seriam as regiões administrativas é a mera afirmação de algo que (passe o
termo) verdadeiramente me enoja: o centralismo que é da direita vai tornar-se o
do PS; e jamais deveria ser da esquerda democrática que o PS significa.
Falar de (re)organização da atividade partidária sem
valorizar os militantes é, a meu ver, vergonhoso. Juntemos a isso alguém que se
apresentou na AR a defender a despartidarização da vida pública portuguesa e
constata-se que mais não faz que dizer aos que vivem neste país que os Partidos
não estão ao serviço deles…
E, sob o meu ponto de vista, é triste verificar que, em vez
de dizer que os seus militantes são os mais preparados para servir o país, alguém
que se apresenta para dirigir um grande partido como é o PS diga que são
dispensáveis no serviço ao país. Não são!
Dissesse que é preciso fazer mais para que só os verdadeiramente
preparados e verdadeiramente preocupados com o país poderão ser militantes e,
com base nisso e por causa disso, serem servidores do País; dissesse que quem
não se filia (no seu pensar e agir) na social democracia não pode ser (ou
continuar a ser) militante; dissesse que só esses podem servir o país a partir
do PS; dissesse que não há espaço para projetos pessoais na militância no PS. O
que me custa é ver que diz – e dizer indiretamente também é dizer – que os
militantes do PS são um entrave ao serviço que os serviços públicos devem
significar. E isso, francamente, envergonha-me como militante do PS.
Antes do motivo essencial, que retratarei infra com
uma imagem: há ausências que me são tremendamente difíceis; e esta é, para mim,
imperdoável: em mais de 40 páginas de lugares comuns (próprios de quem sabe que
não tem de apresentar projetos que significam escolhas, porque ninguém as vai
debater com ele: lá está, é o mundo dos plebiscitos, tão, mas tão piores que as
eleições) a palavra essencial a um partido socialista do século XXI não aparece…
Falta, definitiva e infelizmente, COMUNIDADE a esta moção.
E isso seria bastante para não me rever nela.
Votei, consciente e livremente, noutra opção para o PS, para
o País, para o mundo em 2023.
Não mudei de opinião sobre o que o PS, o país e o mundo
devem ser de 2023 para cá.
E não acredito que os mais de 60% de militantes que pensaram
como eu tenham deixado de pensar.
Acredito, sim, que estamos coartados da escolha; e coartados
da escolha por um “aparelho” que se foi fazendo importante, ao minar e diminuir
uma liderança e um projeto da esquerda democrática (nas televisões, nos
bastidores, nos “mentideros”, em locais onde a lealdade deveria ter falado mais
alto, mas onde não falou – e não esqueçamos que falou, tantas vezes, aos berros,
fragilizando o Partido e a sua liderança). Infelizmente, um aparelho que tornou
importantes projetos e sonhos pessoais, quando deveria ser farol para que os
projetos e os sonhos da Comunidade fossem os que verdadeiramente importam.
Por fim, a imagem: em 2023, quando se debatia projetos para
liderança do meu Partido (lá está: havia eleições), o argumento para pedir o
voto do agora plebiscitado futuro Secretário Geral era o que a imagem demonstra…
E quem se afirmava (não pela força do seu projeto, mas) pela
pseudo força da sua imagem não me serviu (aliás, por princípio, não me serviria)…
Hoje, franca e tristemente, também não me serve…
Resultado: pela primeira vez na minha vida, vou votar nulo.
E, se é com tristeza que o admito (especialmente porque o farei num ato no
contexto do meu partido), é com a certeza de que farei o certo que o farei: não
troco consciência, valores e princípios por nada. Muito menos por um plebiscito
que os enterrará!