segunda-feira, 11 de abril de 2022

Repensar um mundo em que vale mais o "do contra" que o "a favor"...


 

Não me espanta a ascensão da candidata da extrema-direita em França.

O contexto internacional é-lhe favorável, com um crescimento há muito anunciado dos movimentos daquela natureza um pouco por todo o mundo e (por que haveria de ser diferente?) também na Europa.

A França desdobrou-se, nos últimos anos (e, por ventura, renegando-se), num jogo de “ricos e pobres” em que nem uns nem outros se sentem satisfeitos (ou, pior, representados) pelo poder existente.

E passou a ser no cidadão que procura respostas no “mouvement des gilets jaunes” que muitas das alterações de mentalidade se fizeram: os franceses sabem protestar e têm no protesto cívico uma arma de há muitos anos. Porém, se sempre vi esse protesto como gizando a defesa da comunidade e como instrumento de procura do bem comum (muito mais enfocado nos ganhos para a comunidade do que no ganho para o seu próprio pequeno mundo), de há uns anos a esta parte verifico que o protesto é sucessiva e crescentemente voltado para o “egoísmo” de quem protesta e para a visão de que melhorar a condição de si próprio importa mais do que melhorar a condição de vida da comunidade como um todo.

E talvez esteja aqui o foco do problema maior com que Europa se defronta no próximo dia 24 de abril (não, não é apenas a França: é toda a Europa – o projeto Europeu, especialmente o projeto social Europeu, não sobreviverá a uma espécie de Brexit à francesa e é sobre ele que, de há décadas para cá temos assente o nosso sonho de crescimento e bem estar).

A Sra. Le Pen não é o diabo: belzebu para o projeto europeu é o programa político, económico e social que traz consigo, apesar de ter tentado disfarçar a xenofobia e o nacionalismo que o caracterizam com salvíficos anúncios de defesa de uma França maior (onde é que já se ouviu isto, não é?). Cheira a “gato escondido com o rabo de fora”? Claro que cheira! Mas no contexto em que o âmago da discussão se transportou da comunidade para o umbigo, é fácil esse disfarce.

E, se para sermos francos, temos de reconhecer que os principais culpados por isso somos os que andamos a pensar a coisa pública há décadas e nada fizemos para inverter a tendência para que isso acontecesse, não podemos deixar de considerar que há uma franja significativa e poderosa da sociedade que deseja ardentemente o colapso do Estado Social, que considera um entrave ao que é o seu único objetivo (que as “suas” companhias sejam ainda mais lucrativas, para que os seus prémios sejam ainda mais chorudos. Não chegarei ao ponto (ou à estupidez!) de dizer que quem pensa a coisa pública acabou por deixar o Estado na mão de quem quer destruir o Estado de Direito Democrático e Social; mas tenho de reconhecer que o fomos enfraquecendo como tal, preterindo o todo por alguns.

E é por isso que ouvir o derrotado Mélenchon (não apenas ontem: também já antes, durante a campanha) me incomodou tremendamente: nunca foi “pour” (não importa o quê), foi sempre “contre” (contra o Macron, contra a Le Pen, contra, contra, contra)…

Entristeceu-me tremendamente ver um país inteiro (ainda para mais o que nos deu o conceito de “liberte, egalité, fraternité”) envolto num clima de “sou contra”!

Não sei se Macron será capaz de arrepiar caminho e caminhar em direção a algo (lá está, ser “pour”). Mas tenho essa esperança: algum dia haverá de caminhar no sentido de retornar a França ao tempo em que seja na comunidade, no bem comum e no todos importam que se ensaiará o jogo político.

E não, não é por estar contra a Sra. Le Pen que não votaria nela (que diabo estaria eu a fazer se me pusesse a refletir sobre os efeitos do “contra” e, depois, me deixasse cair na falácia de o acabar sendo?).

Se votasse em França, votaria por um sonho de um “a favor”: a favor de uma França europeísta (mais que meramente europeia), de uma França mais igual, mais justa, mais respeitadora de todos, mais integradora… de uma França mais “França”…

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