Não me espanta a ascensão da candidata da extrema-direita em
França.
O contexto internacional é-lhe favorável, com um crescimento
há muito anunciado dos movimentos daquela natureza um pouco por todo o mundo e
(por que haveria de ser diferente?) também na Europa.
A França desdobrou-se, nos últimos anos (e, por ventura,
renegando-se), num jogo de “ricos e pobres” em que nem uns nem outros se sentem
satisfeitos (ou, pior, representados) pelo poder existente.
E passou a ser no cidadão que procura respostas no “mouvement
des gilets jaunes” que muitas das alterações de mentalidade se fizeram: os
franceses sabem protestar e têm no protesto cívico uma arma de há muitos anos. Porém,
se sempre vi esse protesto como gizando a defesa da comunidade e como
instrumento de procura do bem comum (muito mais enfocado nos ganhos para a
comunidade do que no ganho para o seu próprio pequeno mundo), de há uns anos a
esta parte verifico que o protesto é sucessiva e crescentemente voltado para o “egoísmo”
de quem protesta e para a visão de que melhorar a condição de si próprio
importa mais do que melhorar a condição de vida da comunidade como um todo.
E talvez esteja aqui o foco do problema maior com que Europa
se defronta no próximo dia 24 de abril (não, não é apenas a França: é toda a
Europa – o projeto Europeu, especialmente o projeto social Europeu, não
sobreviverá a uma espécie de Brexit à francesa e é sobre ele que, de há décadas
para cá temos assente o nosso sonho de crescimento e bem estar).
A Sra. Le Pen não é o diabo: belzebu para o projeto europeu
é o programa político, económico e social que traz consigo, apesar de ter
tentado disfarçar a xenofobia e o nacionalismo que o caracterizam com salvíficos
anúncios de defesa de uma França maior (onde é que já se ouviu isto, não é?). Cheira
a “gato escondido com o rabo de fora”? Claro que cheira! Mas no contexto em que
o âmago da discussão se transportou da comunidade para o umbigo, é fácil esse
disfarce.
E, se para sermos francos, temos de reconhecer que os
principais culpados por isso somos os que andamos a pensar a coisa pública há décadas
e nada fizemos para inverter a tendência para que isso acontecesse, não podemos
deixar de considerar que há uma franja significativa e poderosa da sociedade
que deseja ardentemente o colapso do Estado Social, que considera um entrave ao
que é o seu único objetivo (que as “suas” companhias sejam ainda mais lucrativas,
para que os seus prémios sejam ainda mais chorudos. Não chegarei ao ponto (ou à
estupidez!) de dizer que quem pensa a coisa pública acabou por deixar o Estado na
mão de quem quer destruir o Estado de Direito Democrático e Social; mas tenho de
reconhecer que o fomos enfraquecendo como tal, preterindo o todo por alguns.
E é por isso que ouvir o derrotado Mélenchon (não apenas
ontem: também já antes, durante a campanha) me incomodou tremendamente: nunca
foi “pour” (não importa o quê), foi sempre “contre” (contra o Macron, contra a
Le Pen, contra, contra, contra)…
Entristeceu-me tremendamente ver um país inteiro (ainda para
mais o que nos deu o conceito de “liberte, egalité, fraternité”) envolto num
clima de “sou contra”!
Não sei se Macron será capaz de arrepiar caminho e caminhar
em direção a algo (lá está, ser “pour”). Mas tenho essa esperança: algum dia
haverá de caminhar no sentido de retornar a França ao tempo em que seja na
comunidade, no bem comum e no todos importam que se ensaiará o jogo político.
E não, não é por estar contra a Sra. Le Pen que não votaria
nela (que diabo estaria eu a fazer se me pusesse a refletir sobre os efeitos do
“contra” e, depois, me deixasse cair na falácia de o acabar sendo?).
Se votasse em França, votaria por um sonho de um “a favor”: a
favor de uma França europeísta (mais que meramente europeia), de uma França
mais igual, mais justa, mais respeitadora de todos, mais integradora… de uma França
mais “França”…
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