terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

NÓTULAS (LONGAS) SOBRE O NOVO CRITÉRIO DE NOMEÇÃO DE PATRONOS E DEFENESORES NO ÂMBITO DO SADT E AS REAÇÕES QUE TENHO LIDO A PROPÓSITO...


Tenho visto com alguma frequência comentários sobre os critérios recentemente definidos pela Ordem dos Advogados para a nomeação de patronos e defensores, no âmbito do SADT.
 
Sentindo-me absolutamente à vontade (mantenho a minha convicção na bondade e bons princípios do modelo encontrado), não queria deixar de dar também a minha opinião, lamentando apenas que vá ser longo ao fazê-lo; de todo o modo, posto que refleti sobre o tema, deixarei a minha reflexão…
Uma questão prévia para dizer que me espanta que, nuns bons milhares de nomeações, nesta semana que foi a primeira semana com os novos critérios, haja quem possa falar tanto por causa de umas dúzias de situações aberrantes como a de um Colega de Vieira do Minho que terá sido nomeado para um processo em Ponta Delgada.
 
Partindo do pressuposto de que estão errados os que dizem que há essencialmente, um aproveitamento "político" nesse comportamento, parece-me importante refletir sobre o que temos e sobre o que teríamos se não se tivesse optado pelo que está vigente. E é nessa linha que escreverei.
 
Primeira nota para dar conta de que me sinto particularmente responsável pelo conjunto de regras vigentes, uma vez que estava presente na reunião que congregou umas dezenas de Delegações da OA que discutiram a questão e estive ao lado dos perto de setenta e cinco por cento dos presentes que optaram por este modelo.
 
A segunda nota vai para a descrição do que sucederia se nada fosse feito, na perspetiva do cidadão e na do advogado:
 
O critério vigente até há uns dias era a de que, nas ações pendentes, o advogado nomeado seria sempre um com domicílio no local onde o processo corresse, o que gerava, logo então, alguns sérios constrangimentos (v.g., eram sempre nomeados advogados do Porto a beneficiários em processos que corressem no Balcão Nacional de Arrendamento, com sede naquela urbe, independentemente de onde fosse oriundo o beneficiário, sendo umas centenas o número de procedimentos conducentes à respetiva substituição por advogado com domicílio próximo do cidadão, como se impunha).
Mas o critério não era errado para a generalidade dos casos até setembro de 2014: como havia competência de família, de execuções, de grande instância cível, de grande instância criminal nos tribunais da generalidade dos municípios, o advogado que era nomeado tinha escritório, normalmente, no mesmo sítio onde o beneficiário residia…
O problema veio com a reforma do século, como “uns e outros” chamaram ao novo mapa judiciário.
E o novo mapa judiciário, como todos sabemos, concentrou nas capitais de distrito (e pouco mais locais) todos os processos inerentes a família e menores, execuções, comércio, trabalho, assim como os Coletivos Criminais e os Processos Cíveis de maior valor, deixando nas pequenas cidades – quando não ocorreu efetivo encerramento da função pública de justiça nesses locais – as bagatelas penais e os processos cíveis com menor valor.
 
Se se mantivesse o critério até aqui vigente, teríamos situações deste género:
    1. Um cidadão de São João da Pesqueira julgado por um Tribunal Criminal Coletivo em Viseu ver-lhe-ia nomeado um advogado de Viseu, que dista de sua casa pouco menos de cem quilómetros e umas horas de viagem;
    2. Num processo de um cidadão de Melgaço em que ele e os filhos e a mãe dos filhos vivessem em Melgaço, seria nomeado um Colega de Viana do Castelo (a uns quantos quilómetros de distância de Melgaço) para um processo de Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais;
    3. O advogado nomeado para o processo cível com valor de EUR 50.000,01 que corresse em Beja relativo a um prédio de Ourique e em que o proprietário beneficiasse de proteção jurídica mas residisse e Ourique, seria um advogado de Beja, sede da Instância Central Cível;
    4. E por aí fora, para todo o tipo de processos e apenas referindo alguns com mais piada e sem alargar o raciocínio para fora das fronteiras da nova comarca, como se imporia, talvez…
Ora, isso quereria dizer que, na esfera dos beneficiários, teríamos cidadãos prejudicados ou não, consoante vivessem ou não nos grandes centros urbanos; o que valeria por dizer que aos cidadãos de São João da Pesqueira, Melgaço ou Ourique, além de se lhe levar o Tribunal para longe, também se lhes levava o advogado que o defenderia para a mesma distância…
E isso, quanto a mim, seria já bastante para que o critério atual fosse entendido como preferível.
 
Mas também na perspetiva do advogado, se nada mudasse, teríamos iniquidades como um Colega de Cantanhede deixar de ser nomeado para os processos Cíveis de maior monta, dos Crimes julgados em Tribunal Coletivo, dos processos de família e menores, dos processos de Comércio, dos processos de Execução, etc., porque esses litígios foram quase todos para Coimbra; ou os de Espinho não poderem ser advogados nesse tipo de processos por não estarem domiciliados em Santa Maria da Feira ou em Oliveira de Azemeis; ou os de Vinhais para qualquer um deles, porque os processos maiores se julgam em Bragança; ou, para mais um exemplo, os de Barrancos, já que Beja é que está a dar…
E sabemos todos que esses são os processos mais interessantes no aspeto técnico (logo, para o advogado, que nunca gosta de coisas fáceis, os mais apetecíveis) e, não menos importante, os que são menos mal compensados pela vergonhosa tabela pela qual é aferida a compensação do trabalho dos advogados inscritos no SADT.
 
O que a alteração de critérios – o de passar a ser aferidor o local do Tribunal para passar a ser marcante o domicílio do beneficiário – veio trazer foi precisamente evitar que houvesse no SADT, em função do novo mapa judiciário, advogados de primeira e advogados de segunda, terceira ou quarta categoria, uns nomeáveis para processos difíceis, outros nem tanto, uns designáveis para processos com remuneração com alguma dignidade, outros nem por isso…
Ou seja, para mim é óbvio que a solução encontrada – e encontrada em democracia, numa reunião onde as Delegações que puderam e quiseram estiveram representadas – conseguiu minorar, para os cidadãos e (não menos) para os advogados, os efeitos do novo mapa e as consequências graves que teria para ambos se o critério se tivesse mantido depois da respetiva implementação.
 
É óbvio que a caricatura Vieira do Minho – Ponta Delgada mostra que não há sistemas perfeitos (in casu, só o cidadão sairá menos prejudicado, na medida em que terá advogado perto e o tribunal longe; consabidamente, a miséria que o advogado ganha pelo seu trabalho dificilmente lhe permitirá assegurar o patrocínio do cidadão em causa, sob pena de “pagar para trabalhar).
 
Mas é precisamente por isso que existe um mecanismo de substituição automática que permite que, sem sequer precisar de explicar o porquê, o advogado não aceite a nomeação…
Ou seja, o seu prejuízo fica (praticamente) anulado. E com uma vantagem: não esteve na contingência de se ver parte integrante de uma distinção e está na de saber que é igual e tratado como igual pela sua Ordem: todos os Advogados podem – desde que o queiram, como é óbvio – intervir em todo o tipo de processos como patrono ou defensor no âmbito do SADT.
 
E a isto junto a consciência de que um cidadão vai ao tribunal uma vez para ser julgado mas tem de ir ao escritório do seu advogado muitas mais para preparar a sua defesa, se defensor e patrocinado estiverem empenhados (como eu parto do pressuposto que estão: afinal, é de advogados que estou a falar): se um arguido de um processo de tribunal Coletivo que mora em São João da Pesqueira (que vai ser julgado em Viseu, a mais de 100 KM) tiver de ir uma vez ao tribunal, tem uma deslocação dessas para fazer; mas irá ao escritório do seu advogado, no mínimo, por ocasião da nomeação, para preparar contestação, para preparar julgamento, para decidir se vai recorrer ou não (ou seja, seguramente, três vezes e nessas perderia muito mais se tivesse de ir a Viseu). E eu não prescindo de pensar o SADT como algo construído para o cidadão e em função do cidadão.
É óbvio que não vou pensar (sequer) que há nos que criticam alguma espécie de interesse egoísta. Mas tenho que conceder que me parece lógico pensar que alguns (felizmente, poucos) Colegas de, por exemplo, Coimbra, não gostarão de deixar de ser os únicos beneficiados pelo Mapa Judiciário, perdendo a expetativa criada de que seriam eles quem, qual eucalipto, quem ficaria com todos os processos de todas as cidades vizinhas, só porque os processos vinham para onde tinham escritório, em detrimento dos seus pares das cidades pequenas, que passariam a poder ser vistos como advogados de segunda ou terceira categoria, face aos das cidades grandes, criando, aliás, diferenças que até aqui nunca existiram na advocacia.
Prefiro, definitivamente, continuar a pensar que não pode ser por isso que só me lembro de ter lido “bocas” a residentes em cidades grandes…
Mas confesso que me incomoda ouvir dizer que esta alteração de critérios desprestigia a Ordem dos Advogados e a advocacia; desculpar-me-ão a franqueza os que isso tenham afirmado, mas estou convicto do oposto: se protege a generalidade os advogados, se protege a maioria doso cidadãos, se permite evitar parcialmente os malefícios do novo mapa judiciário, onde está o desprestígio? Pelo contrário, considero que é antes uma forma de a Ordem dos Advogados Portugueses demonstrar que está ao lado dos seus, do Estado de Direito e dos cidadãos!
 
No meu tempo de Coimbra, dizia-se que só há dois motivos para praxar um caloiro: “por tudo e por nada”. Custa-me pensar que o conceito foi importado para os advogados que, por boas ou más razões, se afastaram dos dirigentes da sua Ordem…
De todo o modo, uma última palavra para os que possam ter pensado numa solução alternativa e que possa ser melhor para todos: não deixem de a levar aos órgãos da Ordem dos Advogados
Sabemos todos que não há sistemas perfeitos e este – que, apesar das caricaturas e da veemência dos caricaturistas, me parece ser bom – pode ser, seguramente melhorado…

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