quarta-feira, 26 de março de 2014

Defensor público...




Tenho visto e lido muita coisa sobre este tema.
Se me permitem os meus amigos, atrevo-me a uma análise um pouquinho mais baseada na história, para dizer que não creio que a "coisa" seja exatamente nova.
Aliás, quer-me parecer que isto mais não são que os famosos lotes que, no final do mandato do Bastonário Rogério Alves, se queria impor aos advogados como forma de os assalariar (ainda para mais a muito baixo preço), retirando-lhes dessa aviltante forma a independência e a liberdade que é essencial ao exercício livre da advocacia.
Na altura, fruto da conjugação de vontades (e da vontade de todos), foi possível evitar aquela aberração.
O Estado, desde então (e ainda mais hoje em dia) entende que gasta mal o dinheiro com os advogados que se inscreveram para participarem livremente no SADT.
E essa conceção tem, a meu ver, três bases:
a) a primeira (que perpassa a mentalidade deste (des)governo na sua íntegra) é a de que não se justifica gastar tanto dinheiro com os pobres (salvo no essencial – muito pouco, necessariamente muito pouco – para fazer aparentar a existência de um Estado de Direito); é assim na saúde, é assim na educação, é assim na justiça, por “arrasto”;
b) a segunda é a clara intenção, que muitas outras decisões políticas demonstram (o novo “mapa judiciário” à cabeça), de dar espaço à justiça privada (arbitragens, mediações e afins), o que passa por tornar de menor qualidade e mais morosa e mais distante dos cidadãos a justiça pública; v.g., se um tribunal próximo de Lisboa vai ter o mesmo número de magistrados para julgar o dobro dos processos de “grande instância cível”, a que outra conclusão chegar senão a de que se quer desviar os processos de valor superior a EUR 50.000,00 para as formas privadas de justiça)?; mas também no que ao SADT diz respeito isso se reflete: se o defensor público que vai defender o beneficiário do SADT não é independente, se depende do ordenado que o patrão-Estado lhe paga e da hierarquia a que o sujeita, mais facilmente aceita coisas como mediação penal ou laboral, coisas a que o advogado livre e independente não é avesso, mas que só recorre quando o interesse do beneficiário do SADT efetivamente o justifica;
c) a terceira (e, aqui, confesso, entro no campo do politicamente incorreto) é mesmo a guerra de poder no seio da Ordem dos Advogados Portugueses; como as últimas eleições demonstraram – e, antes delas, as duas anteriores (por ventura, mesmo as três anteriores) – é impossível a uma meia centena de baronetes da advocacia instalarem-se onde julgam poder estar por direito próprio e inalienável (os órgãos executivos da OA) sem que isso passe pelo apoio dos advogados que participam no SADT; se o número de advogados diminuir, por terem diminuído os que, retirando parte grande do seu sustento da sua participação no SADT, deixarão a profissão muitos daqueles que são eleitores naturais da filosofia que hoje preside ao Conselho Geral da Ordem e os seus eleitores serão bastantes para que tomem o tal lugar que julgam seu e que lhes espoliaram… E um dos rostos desse mundo perdido é a atual ministra da justiça, como todos bem sabemos.
As duas primeiras, aparentemente, só se resolvem (se é que se resolvem) com eleições legislativas livres e verdadeiramente democráticas… e essas, infelizmente, não sabemos bem quando serão – nem sequer as de 2015 me parecem poder sê-lo.
Mas creio que essa aparência é contornável: se os cidadãos demonstrarem a sua revolta profunda e assertivamente disserem ao Estado que não é mau gastar 50 milhões de euros para defender os pobres com qualidade e independência e isenção e que, verdadeiramente mau, verdadeiramente arrepiante aos mais basilares princípios da democracia da República é o mais de outro tanto disso que se gasta em advogados e sociedades de advogados que assessoram o Estado nas negociatas e afins (as mais das vezes para sair duplamente perdedor).
Será talvez possível que as populações se revoltem e demonstrem nessa sua revolta que não querem perder a justiça que têm como seu (legítimo) direito adquirido, justiça de que faz parte a certeza de que a dependência do SADT não significa má defesa, defesa dependente ou defesa menos capaz.
A outra, essa, infelizmente, não se vê jeitos de minorar nos seus nefastos efeitos… É que eles sabem que a política de terra queimada que estão a praticar não vai favorecer ninguém, nem o sistema de justiça, nem a cidadania, nem a advocacia em geral e muito menos a generalidade dos advogados…
 
Eles sabem que em terra onde se deita sal não volta a crescer pão.
Mas preferem solo estéril a que possam chamar deles a solo fértil que tenham de partilhar com os “descamisados”.
Infelizmente…

Sem comentários: