Tenho visto e lido muita coisa sobre este tema.
Se me permitem os meus amigos, atrevo-me a uma análise um
pouquinho mais baseada na história, para dizer que não creio que a
"coisa" seja exatamente nova.
Aliás, quer-me parecer que isto mais não são que os famosos
lotes que, no final do mandato do Bastonário Rogério Alves, se queria impor aos
advogados como forma de os assalariar (ainda para mais a muito baixo preço),
retirando-lhes dessa aviltante forma a independência e a liberdade que é
essencial ao exercício livre da advocacia.
Na altura, fruto da conjugação de vontades (e da vontade de
todos), foi possível evitar aquela aberração.
O Estado, desde então (e ainda mais hoje em dia) entende que
gasta mal o dinheiro com os advogados que se inscreveram para participarem
livremente no SADT.
E essa conceção tem, a meu ver, três bases:
a) a primeira (que perpassa a mentalidade deste (des)governo
na sua íntegra) é a de que não se justifica gastar tanto dinheiro com os pobres
(salvo no essencial – muito pouco, necessariamente muito pouco – para fazer
aparentar a existência de um Estado de Direito); é assim na saúde, é assim na
educação, é assim na justiça, por “arrasto”;
b) a segunda é a clara intenção, que muitas outras decisões
políticas demonstram (o novo “mapa judiciário” à cabeça), de dar espaço à
justiça privada (arbitragens, mediações e afins), o que passa por tornar de
menor qualidade e mais morosa e mais distante dos cidadãos a justiça pública;
v.g., se um tribunal próximo de Lisboa vai ter o mesmo número de magistrados
para julgar o dobro dos processos de “grande instância cível”, a que outra
conclusão chegar senão a de que se quer desviar os processos de valor superior
a EUR 50.000,00 para as formas privadas de justiça)?; mas também no que ao SADT
diz respeito isso se reflete: se o defensor público que vai defender o
beneficiário do SADT não é independente, se depende do ordenado que o
patrão-Estado lhe paga e da hierarquia a que o sujeita, mais facilmente aceita
coisas como mediação penal ou laboral, coisas a que o advogado livre e
independente não é avesso, mas que só recorre quando o interesse do beneficiário
do SADT efetivamente o justifica;
c) a terceira (e, aqui, confesso, entro no campo do
politicamente incorreto) é mesmo a guerra de poder no seio da Ordem dos
Advogados Portugueses; como as últimas eleições demonstraram – e, antes delas,
as duas anteriores (por ventura, mesmo as três anteriores) – é impossível a uma
meia centena de baronetes da advocacia instalarem-se onde julgam poder estar
por direito próprio e inalienável (os órgãos executivos da OA) sem que isso
passe pelo apoio dos advogados que participam no SADT; se o número de advogados
diminuir, por terem diminuído os que, retirando parte grande do seu sustento da
sua participação no SADT, deixarão a profissão muitos daqueles que são
eleitores naturais da filosofia que hoje preside ao Conselho Geral da Ordem e
os seus eleitores serão bastantes para que tomem o tal lugar que julgam seu e
que lhes espoliaram… E um dos rostos desse mundo perdido é a atual ministra da
justiça, como todos bem sabemos.
As duas primeiras, aparentemente, só se resolvem (se é que
se resolvem) com eleições legislativas livres e verdadeiramente democráticas… e
essas, infelizmente, não sabemos bem quando serão – nem sequer as de 2015 me
parecem poder sê-lo.
Mas creio que essa aparência é contornável: se os cidadãos
demonstrarem a sua revolta profunda e assertivamente disserem ao Estado que não
é mau gastar 50 milhões de euros para defender os pobres com qualidade e
independência e isenção e que, verdadeiramente mau, verdadeiramente arrepiante
aos mais basilares princípios da democracia da República é o mais de outro
tanto disso que se gasta em advogados e sociedades de advogados que assessoram
o Estado nas negociatas e afins (as mais das vezes para sair duplamente
perdedor).
Será talvez possível que as populações se revoltem e demonstrem nessa sua revolta que não querem perder a justiça que têm como seu (legítimo) direito adquirido, justiça de que faz parte a certeza de que a dependência do SADT não significa má defesa, defesa dependente ou defesa menos capaz.
Será talvez possível que as populações se revoltem e demonstrem nessa sua revolta que não querem perder a justiça que têm como seu (legítimo) direito adquirido, justiça de que faz parte a certeza de que a dependência do SADT não significa má defesa, defesa dependente ou defesa menos capaz.
A outra, essa, infelizmente, não se vê jeitos de minorar nos
seus nefastos efeitos… É que eles sabem que a política de terra queimada que
estão a praticar não vai favorecer ninguém, nem o sistema de justiça, nem a cidadania,
nem a advocacia em geral e muito menos a generalidade dos advogados…
Eles sabem
que em terra onde se deita sal não volta a crescer pão.
Mas preferem solo estéril a que possam chamar deles a solo fértil
que tenham de partilhar com os “descamisados”.
Infelizmente…
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